segunda-feira, 7 de julho de 2014

O USO DO VÉU PELAS MULHERES NA MISSA É OBRIGATÓRIO?

Recentemente, participei de uma breve discussão sobre a obrigatoriedade do uso do véu por parte das mulheres durante a Missa. Como costumo fazer, desde já respondo a pergunta que dá título ao post: o uso do véu por parte das mulheres não é obrigatório durante a Missa, seja esta Missa celebrada na Forma Ordinária ou na Forma Extraordinária do Rito Romano (para os que não sabem, a Forma Extraordinária é aquela forma da Missa celebrada em latim, com o sacerdote de frente para o Ssmo. Sacramento no tabernáculo e de costas para o povo, segundo a liturgia anterior à reforma litúrgica de 1969 ordenada pelo Papa Paulo VI). 

A questão é extremamente debatida, especialmente em blogs e fóruns de língua inglesa, em razão de que algumas pessoas, ligadas à Forma Extraordinária do Rito Romano, às vezes afirmam peremptoriamente que as mulheres devem usar véu durante a Missa (ou ao menos devem usar o véu se estiverem assistindo à Missa na Forma Extraordinária do Rito Romano). Alegam que o cânone 1262, § 2 do Código de Direito Canônico de 1917, que veiculava a obrigatoriedade do uso do véu, não teria sido expressamente revogado pelo Código de Direito Canônico de 1983, razão pela qual a obrigação continuaria existindo nos dias de hoje. Vejamos o cânone 1262, § 2:

Cân. 1262 §2. Os homens, na igreja ou fora dela, enquanto assistem aos sagrados ritos, devem manter a cabeça descoberta, salvo se diversamente estabelecido por costumes dos povos aprovados ou por circunstâncias peculiares; as mulheres, contudo, devem manter a cabeça coberta e vestimenta modesta, sobretudo quando se aproximam da mesa do Senhor.

Para verificar esta opinião de que o cân. 1262, § 2 subsistiria, vamos ao atual Código de Direito Canônico (1983), em seu cân. 6, §1, 1º:

Cân. 6 — § 1. Com a entrada em vigor deste Código, são ab-rogados:
1.° o Código de Direito Canônico promulgado no ano de 1917;

Em terminologia jurídica, seja no direito estatal ou no canônico, "ab-rogar" significa "revogar totalmente" (para revogação parcial, usa-se o termo "derrogar"). Ou seja, o Código de Direito Canônico de 1917 foi integralmente revogado (ab-rogado). Portanto, ele não pode mais ser invocado como norma em vigor. Desta forma, o cânone 1262, § 2 foi revogado junto com todo o Código de 1917. Isto não está aberto para discussão e seria um erro crasso e primário em direito (não só o canônico) afirmar que este cânone está em vigor.

Façamos, como o fez Edward Peters, doutor em direito canônico, o seguinte exercício, para ver o absurdo da proposição: se o cân. 1262, § 2 do Código de 1917 não foi revogado em razão de que não foi expressamente citada sua revogação, então o que fazer com os outros 2.414 cânones do Código de 1917? Eles também não foram expressamente citados por nenhum ato de revogação. Logo, estão em vigor? Óbvio que não! O legislador foi bem claro no cân. 6, § 1, 1º - o Código de 1917 foi revogado com todos os seus cânones. Não se pode mais citar o Código de 1917 como fonte normativa vigente - e este ponto não é discutível, a não ser que a pessoa queira sustentar que o Papa João Paulo II não poderia ab-rogar o Código de 1917, o que é uma tese que beira o cisma ou o sedevacantismo (pois se o legislador supremo não pode mudar a principal compilação de normas da Igreja, então ele não é legislador supremo; ora, se o Papa não é legislador supremo, ele é verdadeiramente Papa? Já se vê onde este argumento nos vai levar, para caminhos tortuosos e perigosos...)

Diante do inarredável fato da ab-rogação do Código de 1917, admito que é possível explorar uma tese mais sofisticada, mas na qual não acredito. Vou expô-la aqui: é a tese do costume imemorial

Segundo esta tese, é costume imemorial que as mulheres cubram a cabeça no templo, pois São Paulo já o menciona (I Coríntios 11,5), bem como diversos Padres da Igreja. Assim, o Código de 1917, em seu cân. 1262, §2, na verdade não constituiu uma nova obrigação: simplesmente declarou uma obrigação preexistente que já existia desde tempos imemoriais por força do costume. Portanto, quando o Código de 1917 foi ab-rogado (e seu cânone 1262, §2 juntamente com ele), isto não mudou o fato de que o costume imemorial permaneceu de pé. Se o cân. 1262, § 2 não teve eficácia constitutiva da obrigação, mas meramente declaratória de uma obrigação decorrente de um costume imemorial, logo, a revogação do cânone manteve a mesma situação de antes: a permanência do costume imemorial.

Esta é uma afirmação mais difícil de ser respondida, pois ela não apela para o ab-rogado Código de 1917 (apelar para este Código é errado - ponto final). Esta argumentação é muito mais sutil pois afirma que, independentemente do Código de 1917, a obrigação já existia por costume imemorial. Mesmo que o Código de 1917 jamais tivesse declarado a obrigação, isto em nada mudaria o costume. 

O problema é que o Código de 1917 existiu. E, qualquer que fosse o status do uso do véu antes do Código de 1917 (se costume imemorial, se previsto em alguma lei específica), no momento em que o uso do véu entrou no cân. 1262, §2, deixou de ser mero costume e passou a ser lei. E, se passou a ser lei, independentemente de antes ter sido um costume imemorial, já não era mais mero costume. Assim, quando veio o Código de 1983, o uso do véu era uma obrigação decorrente de lei (decorrente do Código de 1917), e não de costume. Portanto, uma lei pode ser revogada por outra de igual hierarquia, que foi exatamente o que ocorreu com o cân. 6, § 1, 1º do Código de 1983, o qual, de uma tacada só, revogou todos os cânones do Código de 1917 (inclusive a obrigação de usar o véu que no Código de 1917 não provinha mais do costume, mas da norma expressa do cân. 1262, §2).

Alguns alegam que esta distinção é artificial: não importa se foi assumido em uma lei expressa em 1917, o que realmente importa é que o uso do véu remonta aos tempos apostólicos, sendo seu uso ordenado pelo próprio S. Paulo, e que a lei não poderia mudar isto. Portanto, a assunção do costume pela lei é irrelevante.

Concedo que, se partirmos do pressuposto de que a legificação do costume (sua recepção por uma lei) pelo Código de 1917 é irrelevante, por se tratar de um costume imemorial que não é contrário à lei (a nova lei de 1983 simplesmente é silente sobre o tema), em tese o costume não teria sido ab-rogado junto com o Código de 1917.

O problema é que um costume não é ab-rogado somente por uma lei. Ele também pode perder vigência em razão daquilo que se chama tecnicamente de desuetudo, que, em termos mais simples, significa o "não uso do costume". É ínsito à noção de costume que esteja ainda sendo observado de forma frequente pela maioria das pessoas. Se cessar a prática do costume, por mais imemorial que ele seja, ele deixa de ser um costume. E o caso do véu se encaixa aqui: a esmagadora maioria das mulheres católicas, há cerca de 40 anos, não usa mais o véu.

Ou seja: ainda que se afirme tratar-se de costume imemorial, que atravessou diversos séculos (o que é verdade), ocorre que este costume, há 40 anos, não é mais observado, sem que as autoridades eclesiásticas hajam protestado ou reforçado a necessidade de cumprir a obrigação com base no costume. Ao revés, como se verá abaixo, as vozes mais abalizadas negam a subsistência da obrigação do uso do véu.

Perdoem-me se sou repetitivo, mas a coisa deve ficar bem clara para que as pessoas não saiam por aí criando para outros católicos obrigações que não existem. Este tema já gerou muitos problemas nos EUA, em que pessoas não versadas em direito canônico simplesmente não aceitavam a opinião dos especialistas (não é invenção da minha cabeça - para opiniões de diversos especialistas dizendo que não há mais obrigação, ver: Edward Peters, Dr. em Direito Canônico; Cathy Caridi, Mestre em Dir. Canônico.; Jimmy Akin, famoso apologeta católico dos EUA; Pe. Daniel Gill .
   
A coisa chegou a tal ponto que o Cardeal Raymond Leo Burke teve de entrar na controvérsia, mandando uma carta para uma fiel esclarecendo o tema com maestria. Apenas para situá-los: o Cardeal Burke, além de Prefeito do mais alto tribunal da Igreja depois do Papa (o Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica), é canonista da mais alta qualidade e extremamente entusiasta da Forma Extraordinária do Rito Romano. Portanto, ninguém mais insuspeito que ele para falar. Nesta carta, datada de 4 de abril de 2011, ele é claro: não existe mais obrigação de uso do véu (ler aqui, em inglês), embora se espere que as mulheres que forem assistir à Missa na Forma Extraordinária dele façam uso, pois era assim que as mulheres iam à Missa quando estava em vigor o Missal de 1962 como Forma Ordinária do Rito Romano. Mas, em quaisquer das Formas, a ausência de uso do véu não constitui pecado (se não é pecado, é recomendável, mas não obrigatório). 

Por fim, uma declaração da Congregação para a Doutrina da Fé, de 1976 (portanto, antes do próprio Código de 1983) em que esta expressamente afirma: "Vai-se buscar motivo para objetar, igualmente, ao caráter caduco que se crê poder reconhecer hoje em dia nalgumas das prescrições de São Paulo respeitantes às mulheres, bem como nas dificuldades que hoje levantam, a propósito disto mesmo, alguns aspectos da sua doutrina. Importa acentuar, porém, que essas disposições paulinas, provavelmente inspiradas pelos usos de tempo, quase não abrangem senão práticas disciplinares de pouca importância, como por exemplo a obrigação imposta às mulheres de usarem o véu na cabeça (cfr. 1 Cor. 11, 2-16); tais exigências hoje já não têm valor normativo." (DECLARAÇÃO 

Concorde-se ou não com as declarações acima (pode ser que alguém ache que todos os especialistas acima, o cardeal Burke e a Congregação para a Doutrina da Fé estão todos redondamente enganados), obrigações jurídicas na Igreja não são brincadeira nem são matéria para serem tratadas por pessoas com pouco ou nenhum conhecimento técnico de direito canônico. Se existe uma obrigação estabelecida pela Igreja e esta é descumprida conscientemente, a pessoa peca, por vezes gravemente. Ex.: na Sexta-Feira da Paixão, nenhum católico se atreve a comer carne, pois a Igreja obriga a fazer abstinência de carne neste dia (cân. 1251). Ora, comer carne na Sexta-Feira da Paixão, conscientemente e sem motivo justo, é pecado, justamente por violar uma obrigação canônica. Da mesma forma, não ir a Missas de preceito é pecado grave, pois o fiel está canonicamente obrigado a participar da Missa (ou assistir à Missa, para os que preferirem a nomenclatura mais tradicional) nestes dias (cân. 1247). 

Assim, afirmar que atualmente há uma obrigação das mulheres em usar o véu é muito grave, pois se está afirmando que uma mulher que não usa o véu, se for advertida do fato, está pecando. Tal modo de ver as coisas é simplesmente equivocado atualmente e cria uma falsa obrigação para o fiel que já não mais existe. 

Isso quer dizer que, se o uso do véu não é obrigatório, ele é proibido? Devagar com o andor que o santo é de barro. O fato de algo não ser obrigatório não quer dizer que não seja permitido como matéria pessoal e privada, caso a mulher em questão entenda que o uso do véu é parte integrante da modéstia no vestir. E, ao fazê-lo, estará em boa companhia: S. Paulo, Padres da Igreja e séculos de costume canônico estão ao lado desta mulher, conferindo-lhe hoje a plena faculdade (mas não a obrigação) de usar o véu. Para as razões que encorajam o piedoso uso do véu (mas não obrigam), recomendo os esclarecimentos do Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Jr. aqui.

O maior exemplo disso: a Igreja só nos exige, como obrigação canônica, que comunguemos uma vez ao ano (cân. 920, § 1). Isto quer dizer que estou proibido de comungar em outras vezes? É óbvio que não! Ao revés, para alimentar a vida espiritual, o católico é encorajado, se puder, a comungar diariamente. Mas a lei obriga a comungar diariamente ou mesmo todos os domingos? Não. Outro exemplo: a lei canônica não obriga ninguém a rezar o teço. Isto quer dizer que a reza do terço é proibida? Pelo contrário: é poderosa arma espiritual e valiosa assistência no progresso da vida espiritual para muitos católicos. 

Da mesma forma o véu: se a mulher deseja usá-lo como matéria de devoção pessoal, pois a auxilia em sua caminhada espiritual, por favor, faça-o. Da mesma forma que não deve obrigar ou informar erroneamente outra mulher sobre uma obrigação inexistente, a mulher que usa o véu tem todo o direito de usá-lo na Igreja sem ser importunada por outros fiéis ou por membros do clero. Estes, se não gostarem da piedosa prática, que guardem sua desairosa opinião para si. Se for criticada por este motivo, a mulher estará sendo alvo de falta de caridade e abuso por parte do sacerdote, que extrapola das faculdades canônicas a ele concedidas se ousar importunar uma mulher pelo uso do véu. 

A moral do post: antes de sair brandindo obrigações canônicas como se fossem espadas de samurai (no melhor estilo: faça isso, faça aquilo), é importante saber do que se está tratando, a gravidade do assunto e ter o mínimo de formação em direito canônico para não pejar a consciência dos irmãos com cargas inexistentes. Orientar os outros mal por deficiência de formação é, no mínimo, uma falta de caridade (ou, se for por ignorância, então a pessoa deveria guardar a sua opinião para si e não querer impor nada a ninguém).

Obs: Não se está aqui discutindo se o fim da obrigatoriedade do véu foi ou não conveniente. O blog é de direito canônico, não de política eclesiástica. O direito canônico atual não sustenta mais esta obrigação. Por favor, reclamações contra a norma atual devem ser direcionadas à Casa Santa Marta, no Vaticano, onde atualmente reside o legislador supremo (o Papa). Queixas contra leis universais devem ser feitas a Sua Santidade - os pobres intérpretes do direito canônico, embora às vezes apanhem como se fossem o legislador ou pudessem mudar a lei, simplesmente trabalham com o material que o legislador lhes oferece.


8 comentários:

  1. Bom dia!
    E o que dizer desta postura: https://rosamulher.wordpress.com/2011/02/14/a-verdade-revelada-cobrir-a-cabeca-ainda-e-obrigatorio-para-as-mulheres-que-assistem-a-missa/
    A paz de NSJC!

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    1. Prezado André, bom dia!

      Excelente texto, muito obrigado por compartilhar. Foi o melhor texto que vi sobre o tema com uma posição contrária àquela do cardeal Burke e do dr. Edward Peters, sendo ao mesmo tempo razoável e defensável.

      Pena que a pessoa que o escreveu não tenha se identificado, o que é algo negativo. Por que o receio de se identificar? Ninguém vai ser crucificado por ter opinião diferente neste ponto. Se o fez em anonimato, é provável que pertença a algum grupo que não esteja regular, e ficou com receio de não o ouvirem por pertencer ao grupo A ou B. Besteira, se a coisa está bem dita, venha de onde vier, não devemos temer.

      Mas abstraindo este fato, mesmo que a posição dele seja possível (fincando seu entendimento em um costume imemorial que não foi diretamente revogado), creio que a tese de "desuetudo" (ou seja, costume que caiu em desuso, sem qualquer protesto seja por parte da esmagadora maioria das mulheres, seja do clero) não foi respondida.

      Desde a década de 70 a prática caiu no desuso geral, com poucas e raríssimas exceções. E não estamos aqui a falar de uma questão moral essencial, em que não importa se as pessoas praticam ou não, pois o certo sempre será certo, e o errado errado. Estamos a falar de um aspecto apenas da modéstia no vestir, matéria passível de alteração e não um absoluto moral.

      Portanto, continuo com a minha posição, que é também a do cardeal Burke e do dr. Edrward Peters, de que não há obrigação. Entendo que não existe pois tal costume, ainda que imemorial, caiu em desuetudo há quase 50 anos.

      Por fim, o próprio autor do texto por você enviado já indica a resposta que justifica não haver obrigação: "Obligatio non est imponenda nisi certo de ea constet." (A obrigação não deve ser imposta a não ser que sua existência seja certa), um princípio fundamental de Teologia Moral que se encontra em qualquer manual. Ora, mesmo que a posição dele seja razoável, há outras posições razoáveis em sentido contrário, inclusive por pessoas com doutorado em direito canônico, como cardeal Burke e dr. Edward Peters. Não havendo consenso sobre o tema entre os especialistas (e toda a explicação que o autor do texto tem de dar mostra que a questão não é simples), a Teologia Moral ensina que não se pode impor obrigação. Portanto, não há obrigação, seja por uma razão de fundo (como a desuetudo), seja por razão de a matéria ser duvidosa entre especialistas, não sendo possível impor obrigações em matérias inçadas de dúvida.

      A paz de NSJC!

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    2. Em tempo: quando disse "Estamos a falar de um aspecto apenas da modéstia no vestir, matéria passível de alteração e não um absoluto moral.", espero que as pessoas entendam que estou a dizer que os modos de vestir-se variam no tempo, não que a obrigação de vestir-se modestamente varie. Varia sim quais peças de vestimenta são consideradas adequadas neste ou naquele tempo ou contexto. Varia o tipo de vestimenta. Ex: casula romana barroca (tridentina) ou gótica? Bem, em certos momentos da história da Igreja, houve preferência por uma ou outra, mas ambas são adequadas para o culto divino. É a isso que estou a me referir quando digo que o uso ou não do véu não é um absoluto moral nem uma questão moral essencial, podendo ser sujeita a alterações (em muitos lugares, por exemplo, o costume era as mulheres usarem chapéu, e não véu).

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    3. Este comentário foi removido pelo autor.

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    4. O autor original é o Timman, Vítor.

      O argumento do link não é de costume, Vítor, mas que existe uma lei de fato, independente do Código de 1917:

      "Para ter certeza, na medida em que esta decisão – abrangente, formalmente particular, e equivalente universal em natureza – foi emitido pela Sagrada Congregação dos Ritos, o departamento da Santa Sé, que possui a competência para decidir sobre questões abordando os sacramentos, que isso constitui, sem dúvida, uma lei litúrgica. [L. Choupin, Valeur des Decisions Doctrinales et Disciplinaires du Saint-Siège , (Beauchesne: Paris, 1913), pp. 96-103].
      Neste momento, em 1876, de minimis, temos duas leis em vigor obrigando o uso da cabeça coberta das mulheres quando vão a funções sagradas em uma igreja. A primeira é uma lei não escrita, o costume imemorial, que data do tempo dos apóstolos. A segunda é uma lei escrita, um decreto da Santa Sé, exigindo o mesmo que o costume."

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    5. Não, Karlos. Timman é a pessoa que consultou o canonista anônimo. Veja que a maior parte do texto de Timman é a mera transcrição do parecer de um canonista anônimo: "A fim de averiguar a verdade sobre o assunto, resolvi consultar um canonista fora-de-estado (1) sobre a questão em 2007. O texto a seguir é um excerto do parecer que ele me deu:"

      Referia-me ao tal "canonista anônimo": não há razão plausível para que este canonista não tenha dito quem é. Pela qualidade do trabalho e pelo estilo, tenho suspeita de quem seja tal canonista. Se minha suspeita estiver confirmada, seria um sedevacantista, e essa a razão pela qual o tal "canonista anônimo" não resolveu revelar sua identidade.

      Mas não importa tanto quem seja o canonista anônimo, e sim seus argumentos. Quanto a desuetudo, já falei acima.

      Quanto ao argumento de existência de uma lei de fato independente do Código de 1917 (lei litúrgica da S. Congr. dos Ritos, datada de 1876), o argumento não resiste aos princípios básicos da hermenêutica jurídica. Uma lei posterior que trata do mesmo assunto revoga a lei anterior. Ora, o Código de 1917, no cânone 1262,§2, tratou do mesmo assunto (obrigação de a mulher cobrir a cabeça) da norma da S. Congr. dos Ritos de 1876. Além disso, o Código de 1917, que foi um ato do legislador supremo (Romano Pontífice), é hierarquicamente superior a uma norma da S. Congr. dos Ritos. Portanto, o assunto que em 1876 foi tratado pela S. Congr dos Ritos foi assumido pelo Código de 1917, que tratou do mesmo tema no cân. 1262,§2, não sendo juridicamente correto falar que tenha subsistido autonomamente tal lei litúrgica a despeito da previsão do Código de 1917.

      É juridicamente errado dizer o contrário sobre esse ponto, e contraria as regras hermenêuticas basilares que qualquer estudante de direito (civil ou canônico) aprende no primeiro ano da Faculdade. Além do conhecimento da Sagrada Teologia, o Direito Canônico também requer o domínio de técnica propriamente jurídica, o que exige formação nessa área específica, para evitar cair em erros primários da perspectiva jurídica.

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  2. Boa noite, caríssimo Vitor

    Grato pela pronta resposta.

    Só mais uma questão a respeito do véu.
    Na minha época de criança, lembro-me muito bem das mudanças em que a Santa Igreja sofreu com o advento do CV II, e uma das mudanças foi “desobrigação” do uso do véu pelas mulheres na Santa Missa. Como você mesmo citou que desde a década de 70 a prática caiu no desuso geral. Pergunto: Existe algum documento conciliar orientando o desuso do véu, mesmo constando a sua obrigatoriedade no Código de 1917?

    A paz de Nosso Senhor Jesus Cristo!

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    1. Não, não há nenhum documento orientando a não usar o véu. O tema simplesmente não é mencionado. Seu uso hoje é facultativo, como matéria de devoção privada ou pessoal. Não é obrigatório, mas a mulher que quiser pode usá-lo livremente e não deve ser importunada por isso. É interessante ver que D. Annibale Bugnini, grande artífice da reforma litúrgica de Paulo VI, ao ser perguntado sobre a questão de o véu ter sido abolido, respondeu expressamente que o Código de 1917, então vigente à época, não havia sido alterado nesse ponto (mas isso ele disse antes do advento do Código de 1983). Portanto, a única coisa que não subsiste é a obrigação de uso (sob pena de pecado). O uso permanece lícito, sendo facultado às mulheres optar por cobrir a cabeça ou não (lembre-se, a regra era de cobrir a cabeça. Em alguns países, isso era feito com chapéus, não com véus).

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