terça-feira, 1 de dezembro de 2015

CRISTÃOS NÃO-CATÓLICOS PODEM RECEBER A EUCARISTIA EM CELEBRAÇÕES EUCARÍSTICAS CATÓLICAS?

A resposta é SIM, mas existem condições para isto.

Recentemente, o Cardeal Robert Sarah, Prefeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, teria dito que não é possível a cristãos não-católicos receber a Eucaristia em celebrações eucarísticas católicas, pois seria necessário ser católico para receber a Eucaristia.  

Embora o cardeal esteja certo ao explicitar a regra geral e a razão teológica por trás dela (em regra, a Eucaristia, como sacramento da unidade, somente é administrada a fiéis católicos, e não a cristãos que não estão em plena comunhão com a Igreja Católica Apostólica Romana), na verdade, em relação à "communicatio in sacris" ("comunhão nas coisas sagradas"), a matéria é canonicamente mais delicada. Em favor do Cardeal Sarah, diga-se que não é canonista, razão pela qual é escusável que não compreenda todas as dimensões do problema.

A bem da verdade, o próprio Cardeal Sarah reconhece que a regra geral não está revestida de tamanha rigidez, quando, mais adiante em sua entrevista, admite que um anglicano possa receber a comunhão em uma celebração católica, desde que devidamente disposto e em situações excepcionais. Mas nem todos os veículos de comunicação estão reproduzindo as palavras do Cardeal Sarah em sua íntegra. Por isso, vale a pena explicitar aqui as regras canônicas atualmente em vigor acerca da recepção do sacramento da Eucaristia por cristãos não-católicos.

O tema encontra-se previsto nos cânones 844, §3 e §4 do Código de Direito Canônico. Iniciemos pelo §3:

§ 3. Os ministros católicos administram licitamente os sacramentos da penitência, Eucaristia e unção dos enfermos aos membros das Igrejas orientais que não têm plena comunhão com a Igreja católica, se eles o pedirem espontaneamente e estiverem devidamente preparados; vale o mesmo para os membros de outras Igrejas que, a juízo da Sé Apostólica no que se refere aos sacramentos, se acham nas mesmas condições que as referidas Igrejas orientais.

Este primeiro grande grupo de fiéis cristãos que pode receber a Eucaristia das mãos de ministros católicos é composto por aqueles cristãos que pertencem às Igrejas orientais que não estão em comunhão com a Sé Romana (tanto Ortodoxos como os Ortodoxos pré-calcedonianos e Ortodoxos pré-efesianos). O §3 também estende esta disciplina a outras Igrejas que, a juízo da Santa Sé, no que se refere aos sacramentos, se acham nas mesmas condições que as referidas Igrejas orientais.

Exemplifiquemos falando concretamente de quais grupos são estes:

1) Igrejas ortodoxas: Patriarcado Ortodoxo Ecumênico de Constantinopla, Patriarcado Ortodoxo de Alexandria, Patriarcado Ortodoxo de Jerusalém, Patriarcado Ortodoxo de Antioquia,  Patriarcado Ortodoxo da Rússia e as demais Igrejas Ortodoxas (cuja data de separação formal da Igreja Católica Apostólica Romana é geralmente situada no ano de 1054);

2) Igrejas ortodoxas pré-calcedonianas: Igreja Copta, Igreja Etíope, Igreja da Eritreia, Igreja Armênia, Igreja Ortodoxa Siríaca e Igreja Ortodoxa Siríaca Malankara da Índia (cuja data de separação formal da Igreja Católica Apostólica Romana e das demais Igrejas Ortodoxas é geralmente situada no ano de 451, por não aceitarem declarações dogmáticas do Concílio de Calcedônia);

3) Igreja ortodoxa pré-efesiana: Igreja Assíria do Oriente (cuja data de separação formal da Igreja Católica Apostólica Romana e das demais Igrejas Ortodoxas é geralmente situada no ano de 431, por não aceitarem declarações dogmáticas do Concílio de Éfeso).
           
Quanto aos grupos a eles equiparados, uma decisão da Congregação para a Doutrina da Fé, de 3 de janeiro de 1987 (Prot. n. 795/68), afirma que, "dentre as Igrejas que estão na mesma situação das Igrejas Orientais mencionadas no cân. 844 § 3, incluem-se as Igrejas véterocatólicas na Europa e a Igreja Nacional Polonesa nos EUA".[1]

O que todos esses grupos de não-católicos acima descritos têm em comum, a permitir que comunguem das mãos de ministros católicos bastando que: 1) o peçam espontaneamente; 2) estejam devidamente preparados?

São comunidades cristãs que preservaram as principais verdades do depósito da fé, como, por exemplo, a crença em sete sacramentos, na presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, no papel da Virgem Maria na economia salvífica, na instituição pelo Senhor de uma hierarquia para governar a Igreja. Por esse motivo, podem ser chamadas propriamente de "Igrejas", ainda que não em plena comunhão com a Sé Romana. Essas Igrejas, em regra, mantiveram sacerdócio válido, de modo que os sacramentos por elas celebrados são válidos (são verdadeiramente sacramentos).

Agora sigamos para o segundo grande grupo de fiéis cristãos não católicos, previsto no § 4 do cânone 844:

§ 4. Se houver perigo de morte ou, a juízo do Bispo diocesano ou da Conferência dos Bispos, urgir outra grave necessidade, os ministros católicos administram licitamente esses sacramentos também aos outros cristãos que não têm plena comunhão com a Igreja católica e que não possam procurar um ministro de sua comunidade e que o peçam espontaneamente, contanto que manifestem, quanto a esses sacramentos, a mesma fé católica e estejam devidamente dispostos.

Este grupo é composto por aqueles cristãos que não preservaram as principais verdades do depósito da fé, por exemplo, não crendo na instituição divina de sete sacramentos (alguns são assacramentais, outros creem que Jesus apenas instituiu alguns dos sete, como o batismo e a Eucaristia), não crendo na Eucaristia como presença real de Jesus Cristo, não crendo na instituição pelo Senhor de uma hierarquia para governar a Igreja, entre outros aspectos que são negados.

Nesta situação, encontra-se a grande maioria dos fiéis oriundos da Reforma Protestante, divididos em milhares de denominações diferentes espalhadas pelo mundo inteiro. Por não haverem mantido os aspectos mais essenciais do depósito da fé, tais comunidades não são propriamente chamadas de "Igrejas" pela Igreja Católica Apostólica Romana,  mas são simplesmente denominadas "comunidades eclesiais". Essas comunidades, em regra, não mantiveram sacerdócio válido, de modo que os sacramentos por elas celebrados são inválidos (não são verdadeiramente sacramentos).[2]

Por este motivo, os requisitos cumulativos para que um cristão pertencente a uma dessas comunidades eclesiais seja admitido à comunhão eucarística são bem mais rigorosos. São eles:

1) haver perigo de morte ou, a juízo do Bispo diocesano ou da Conferência dos Bispos, urgir outra grave necessidade;

2) não possam procurar um ministro de sua própria comunidade eclesial;

3) que o peçam espontaneamente;

4) manifestem, quanto a esses sacramentos, a mesma fé católica;

5) estejam devidamente dispostos.

Para os cristãos desse segundo grupo (oriundos da Reforma Protestante), não se exige apenas que peçam o sacramento espontaneamente e estejam devidamente preparados, como ocorria com os membros do primeiro grupo (os quais preservaram aspectos essenciais do depósito da fé e sacerdócio válido). Aqui, exige-se mais: também deve haver perigo de morte ou grave necessidade estabelecida pelo bispo diocesano ou pela Conferência Episcopal, uma dificuldade (moral ou física) de procurar um ministro de sua própria comunidade não-católica, bem como manifestar a fé católica quanto a esses sacramentos pedidos.

No caso da Eucaristia, a Igreja Católica Apostólica Romana presume que os membros dos grupos saídos da Reforma Protestante não creem na presença real de Jesus Cristo no pão e vinho consagrados. Por essa razão, somente um membro desse grupo que demonstrasse fé católica quanto a este ponto (ou seja, acreditasse efetivamente na presença real) poderia ser admitido, desde que cumprisse também as demais condições.

Esta, em breve síntese, a atual posição da Igreja Católica Apostólica Romana sobre a questão da recepção de sacramentos das mãos de ministros católicos por parte de cristãos não-católicos. Retomando a pergunta inicial, isso é sim possível, e as condições para que isso ocorra dependerão do grupo cristão a que pertence o fiel não-católico que pede os sacramentos aos ministros católicos.



[2] À exceção do batismo e do matrimônio, que podem ser válidos mesmo nessas comunidades eclesiais, por razões que não cabe agora explicar neste post.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

EXISTE "DIVÓRCIO" CATÓLICO? (2) - O PRIVILÉGIO PAULINO

No post anterior sobre o tema, analisamos a única hipótese de matrimônio sacramental válido que pode ser dissolvido: o matrimônio rato e não consumado.

Contudo, também dissemos que o matrimônio meramente natural (matrimônio entre não-batizados ou entre um batizado e um não-batizado), embora não seja sacramento, é verdadeiro matrimônio e, como tal, em regra é naturalmente indissolúvel. Mas, por não ser sacramento, sua indissolubilidade não está ornada da mesma firmeza presente no matrimônio sacramental, conforme ensina o cân. 1056[1]. Por isso, existe mais de uma hipótese em que o matrimônio natural válido pode ser dissolvido (repita-se: em se tratando de matrimônio sacramental válido, há uma única hipótese de dissolução - o matrimônio rato e não consumado).

Expliquemos a primeira hipótese de matrimônio natural válido que pode ser dissolvido: trata-se da situação abarcada pelo chamado privilégio paulino.

Em nome de um bem maior, qual seja, a preservação da fé[2] (e, obviamente, a salvação da alma), o matrimônio válido entre não-cristãos (que não é sacramento), naturalmente indissolúvel, pode excepcionalmente ser dissolvido para privilegiar a fé de um dos cônjuges que se converte ao cristianismo (não necessariamente ao catolicismo, basta que se torne cristão por meio de Igreja ou comunidade eclesial cristã não-católica que administre validamente o batismo). É o privilégio paulino, previsto diretamente pelo Apóstolo São Paulo (daí seu nome). Vejamos a passagem bíblica que lhe serve de fundamento (I Coríntios 7, 12-15):

"Aos outros, digo eu, não o Senhor: se um irmão desposou uma mulher pagã (sem a fé) e esta consente em morar com ele, não a repudie. Se uma mulher desposou um marido pagão e este consente em coabitar com ela, não repudie o marido. Porque o marido que não tem a fé é santificado por sua mulher; assim como a mulher que não tem a fé é santificada pelo marido que recebeu a fé. Do contrário, os vossos filhos seriam impuros quando, na realidade, são santos. Mas, se o pagão quer separar-se, que se separe; em tal caso, nem o irmão nem a irmã estão ligados. Deus vos chamou a viver em paz."

É justamente isso que a Igreja prevê no cânone 1.143 do Código de Direito Canônico:
"Cân. 1143 - § 1. O matrimônio celebrado entre dois não-batizados dissolve-se pelo privilégio paulino, em favor da fé da parte que recebeu o batismo, pelo próprio fato de esta parte contrair novo matrimônio, contanto que a parte não-batizada se afaste.
§ 2. Considera-se que a parte não-batizada se afasta, se não quer coabitar com a parte batizada, ou se não quer coabitar com ela pacificamente sem ofensa ao Criador, a não ser que esta, após receber o batismo, lhe tenha dado justo motivo para se afastar."

Portanto, busca-se tutelar a fé do convertido ao cristianismo nestas duas situações: 1) se o convertido for abandonado pelo cônjuge não-cristão; 2) mesmo não abandonando o convertido, o não-cristão não deseja conviver pacificamente sem ofensa ao Criador (ex: colocando obstáculos para a vivência da fé do cônjuge convertido)[3]. Nestes casos, esse matrimônio natural válido pode ser dissolvido em favor da fé do convertido, desde que o convertido, após receber o batismo, não tenha dado justo motivo para o não-cristão se afastar (por exemplo, o não-cristão pode legitimamente afastar-se caso seja traído pelo convertido). Vê-se que a iniciativa de abandonar o convertido ou de não desejar conviver pacificamente com ele sem ofensa ao Criador deve ser sempre da parte não-cristã, e não do convertido.

Esse matrimônio natural, por não estar dotado da mesma firmeza que o matrimônio sacramental, é dissolvido sem necessidade da intervenção do Papa, sobretudo pelo fato de que tal dissolução está prevista pelo próprio São Paulo como exceção à regra. No momento mesmo em que o cristão convertido casa-se de novo validamente, dissolve-se o vínculo natural anterior.

Mas atenção: como o matrimônio natural anterior foi válido, o novo matrimônio contraído em razão do privilégio paulino é, na verdade, o segundo matrimônio da pessoa. Essa pessoa terá sido casada duas vezes, de forma legítima e aceita pela Igreja.

Contudo, para que isso ocorra, é necessário antes perguntar ao cônjuge não-cristão que se afastou sem justo motivo duas coisas: 1) se não deseja também ele se batizar; 2) se ao menos não deseja conviver pacificamente com o cônjuge que se converteu ao cristianismo, sem ofensa ao Criador (cân. 1.144, §1)[4].

Esta interpelação é feita por autoridade do Ordinário local (em geral, o bispo) da parte convertida, devendo esse Ordinário conceder ao outro cônjuge, se este o pedir, um prazo para responder, mas avisando-o que, transcorrido inutilmente esse prazo, seu silêncio será interpretado como resposta negativa (cân. 1.145, §1). Se não for possível a interpelação feita pelo Ordinário, poderá ser feita particularmente pela parte convertida (cân. 1.145, §2), devendo, em ambos os casos, constar legitimamente no foro externo a interpelação e seu resultado (cân. 1.145, §3), sendo comum, por exemplo, que se faça constar por escrito a resposta da parte não-convertida ou que se certifique a sua negativa em responder.

A interpelação deve ser feita depois do batismo da parte convertida, mas o Ordinário local, por causa grave, pode permitir que a interpelação se faça antes do batismo e mesmo dispensar dela, antes ou depois do batismo, contanto que conste por um processo, ao menos sumário e extrajudicial, que a interpelação não pode ser feita ou que seria inútil (cân. 1.144, §2).

Se o cônjuge não-cristão também resolver se batizar, o matrimônio natural se torna, no momento do batismo, sacramental (pois, nesse caso, passará a ser um matrimônio entre dois cristãos). Havendo a consumação após o batismo de ambos, este matrimônio sacramental, além de rato, será consumado, não podendo ser dissolvido senão pela morte (obviamente, na rara hipótese em que o cônjuge não-cristão aceitar o batismo, se estiver afastado do cônjuge anteriormente convertido, o matrimônio será sacramental, mas, por ausência de consumação, poderia ser dissolvido pelo Romano Pontífice, como vimos no primeiro post).

Se o cônjuge não-cristão aceitar conviver pacificamente e sem ofensa ao Criador, então o cônjuge convertido não terá direito a casar-se pela segunda vez. Recorde-se que o privilégio paulino existe para salvaguardar a fé - se o outro cônjuge não é cristão, mas não prejudica a vida de fé do convertido, nem o abandona, não há razão para a dissolução do matrimônio.

Veja que o Ordinário local (em geral, o bispo) não dissolve o primeiro matrimônio natural válido. Ele simplesmente conduz (em regra) a devida interpelação ao cônjuge não-cristão, para certificar-se de que as condições estão presentes. Estando provado que estão presentes as condições para uso do privilégio paulino, o convertido tem direito a casar-se novamente. Mas será o próprio convertido que, ao casar-se de novo, dissolverá o vínculo anterior. No momento em que o cristão convertido casa-se de novo validamente, dissolve-se o vínculo natural anterior. E isso não decorre de nenhum poder episcopal de dissolver matrimônios válidos (pois não tem esse poder, só o Romano Pontífice, vigário de Cristo, o tem), mas sim da exceção diretamente manifestada pela autoridade apostólica de São Paulo.

O mais comum é que a parte convertida ao cristianismo (não necessariamente convertida ao catolicismo) use o privilégio paulino para casar-se pela segunda vez com um católico (cân. 1.146). Mas o Ordinário local, por causa grave, pode conceder que a parte batizada, usando do privilégio paulino, contraia novo matrimônio com parte não-católica, batizada ou não (cân. 1.147[5]), observando-se as prescrições sobre matrimônios mistos (católico casando-se com um cristão não-católico) e com disparidade de culto (católico casando-se com não-cristão).

A razão de se exigir causa grave é óbvia: se o convertido acabou de ter um matrimônio natural dissolvido em favor de sua fé, deve-se evitar que entre novamente em um matrimônio natural com um não-cristão (que não é sacramental), ou que entre em um matrimônio sacramental com um cristão de fé diferente (o que também tem potencial para trazer problemas práticos no cotidiano do casal).

Por fim, elencamos as situações em que o privilégio paulino pode ser invocado[6]:
1) um católico quer casar-se com um convertido ao catolicismo que não era previamente batizado (batizou-se ao tornar-se católico) e que, antes do batismo, contraíra casamento com um não-cristão;
2) um católico quer casar-se com um convertido ao cristianismo em Igreja ou comunidade eclesial cristã não-católica, e que, antes do batismo (batizou-se ao tornar-se cristão não-católico), contraíra casamento com um não-cristão;
3) um convertido ao catolicismo que não era previamente batizado (batizou-se ao tornar-se católico) e que, antes do batismo, contraíra casamento com um não-cristão, quer casar-se com um cristão não-católico ou com um não-cristão (cân. 1.147).

No próximo post, continuaremos tratando de outras hipóteses de matrimônio natural válido que pode ser dissolvido.


[1] Cân. 1056 - As propriedades essenciais do matrimônio são a unidade e a indissolubilidade, que, no matrimônio cristão, recebem firmeza especial em virtude do sacramento.
[2] Cân. 1150 - Em caso de dúvida, o privilégio da fé goza do favor do direito.
[3] Podem ser vistos como ofensa ao Criador, para efeitos deste cânone: "pese a querer cohabitar, lo hace de modo que implica algo contrario a la recta ordenación del matrimonio, es decir, no lo hace sine contumelia Creatoris). Esta última puede consistir en atentación contra la libertad del bautizado para la práctica de la religión; inducción al pecado; vida conyugal deshonesta; oposición a la educación cristiana de los hijos; ataques a la fe del convertido; poligamia; maltratos; y otras conductas similares."
[4] Cân. 1144 - § 1. Para que a parte batizada contraia validamente novo matrimônio, deve-se sempre interpelar a parte não-batizada:
1º se também ela quer receber o batismo;
2º se, pelo menos, quer coabitar pacificamente com a parte batizada, sem ofensa ao Criador.
[5] Cân. 1147 - Todavia, o Ordinário local, por causa grave, pode conceder que a parte batizada, usando do privilégio paulino, contraia novo matrimônio com parte nãocatólica, batizada ou não, observando-se também as prescrições dos cânones sobre matrimônios mistos.
[6] Extraído de STUART, Eileen. Dissolution and Annulment of Marriage by the Catholic Church. Sydney: The Federation Press, 1994. p. 106.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

EXISTE "DIVÓRCIO" CATÓLICO? (1)

Pode parecer estranho o que vou dizer, mas sim, existe "divórcio" realizado pela Igreja sim, embora pouquíssimas pessoas o saibam.

Mas não é nada disso que vocês estão pensando.

Não, a Igreja não mudou sua doutrina sobre o matrimônio, nem este que vos escreve é a favor da mudança da doutrina da Igreja neste ponto (muito pelo contrário).

Então como é que eu acabei de dizer que existe sim divórcio realizado pela própria Igreja?

Primeiro, vamos conceituar o que é um divórcio. Divórcio é o nome jurídico que se dá à dissolução de um vínculo matrimonial válido.

No divórcio civil, o Estado pretende dizer que houve um casamento válido, mas que ele, Estado, pode dissolver este vínculo (ou, na melhor das hipóteses, que o casal pode dissolver o vínculo, e o Estado homologa esta dissolução). Não é deste divórcio que vamos tratar aqui (mas já adianto - não, o Estado não tem poder para verdadeiramente dissolver um matrimônio válido, mas isto é assunto para outra história).

Já o divórcio realizado pela Igreja também constitui a dissolução de um vínculo matrimonial válido, e a Igreja tem autoridade para fazê-lo. Porém, isso é possível, diante da indissolubilidade do matrimônio válido?

Algumas observações devem ser feitas. A primeira, de que todo e qualquer matrimônio válido, entre cristãos ou não, é naturalmente indissolúvel. Um homem budista que casa com uma mulher budista, e que não exclua as propriedades e fins essenciais naturais do matrimônio, casa-se validamente. O mesmo vale para muçulmanos, judeus, xintoístas, ateus...

O matrimônio é antes uma instituição de direito natural, acessível a membros de toda e qualquer religião (e mesmo aos sem religião). É errado pensar que somente os cristãos, pelo fato de o matrimônio válido entre eles ser também sacramento, se casam de verdade. O Código de Direito Canônico deixa isso bem claro no cânone 1.055 ("Cân. 1055 - § 1. O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio de toda a vida, por sua índole natural ordenado ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole, entre batizados foi por Cristo Senhor elevado à dignidade de sacramento").

Ou seja, fica claro que o matrimônio naturalmente constitui consórcio de toda a vida (isto é, indissolúvel naturalmente, para cristãos ou não cristãos), ordenado naturalmente ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole.

E o sacramento? Bem, este consórcio de toda a vida no plano natural, entre batizados (somente entre eles, sejam batizados católicos ou não), foi elevado por Cristo Senhor a uma dignidade sobrenatural, isto é, de sacramento. Portanto, entre cristãos batizados (sejam eles católicos ou não), o matrimônio válido é sempre sacramento também, adquirindo uma especial firmeza precisamente por ser sacramento (Cân. 1056 - As propriedades essenciais do matrimônio são a unidade e a indissolubilidade que, no matrimônio cristão, recebem firmeza especial em virtude do sacramento).

O equívoco de muitos está em achar que somente o matrimônio que é também sacramento é indissolúvel. Não é isso que a Igreja ensina. Qualquer matrimônio válido (mesmo entre não cristãos) é intrinsecamente indissolúvel, seja ele sacramento ou não. Assim, em regra, os matrimônios válidos não podem ser dissolvidos.

Porém, existem exceções em que a Igreja entende que, embora indissolúvel, um matrimônio pode ser dissolvido pela autoridade da Igreja, quando estão envolvidos valores mais relevantes que a própria indissolubilidade.

O primeiro caso a ser analisado é o do matrimônio rato (ratificado) e não consumado. Por rato entende-se um matrimônio válido ratificado por Deus, isto é, sacramental (ou seja, entre batizados). Mas ele jamais chegou a ser consumado sexualmente após a celebração matrimonial. Se houvesse sido consumado, não poderia ser por ninguém dissolvido, nem mesmo pelo Romano Pontífice: "Cân. 1141 - O matrimônio ratificado e consumado não pode ser dissolvido por nenhum poder humano nem por nenhuma causa, exceto a morte."

Sendo válido o matrimônio rato e não consumado (por ser celebrado entre cristãos, também é um sacramento), ele não é, em regra, dissolúvel (lembrem-se: o matrimônio sacramental recebe firmeza especial em virtude do sacramento).

Contudo, pelo fato de que a união sexual entre homem e mulher cristãos casados perfectibiliza e manifesta o serem "uma só carne", semelhante à união de Cristo com a Igreja pela Encarnação, um matrimônio válido, porém não consumado (falta a dimensão de "uma só carne"), pode ser dissolvido, extraordinariamente, pelo Romano Pontífice, no exercício de seu poder vicariante (ou seja, atuando como vigário de Cristo na terra - vicarius, em latim, significa aquele que atua no lugar de outrem. No caso, o Papa atua no lugar do Senhor Jesus, chefe invisível e perpétuo da Igreja[1]). Veja-se a previsão no cânone 1.142: "Cân. 1142 - O matrimônio não consumado entre batizados, ou entre uma parte batizada e outra não-batizada, pode ser dissolvido pelo Romano Pontífice por justa causa, a pedido de ambas as partes ou de uma delas, mesmo que a outra se oponha."

O Papa Pio XII o explica em breves linhas: "O matrimônio ratificado e consumado é indissolúvel por direito divino, enquanto não pode ser dissolvido por qualquer autoridade humana; entretanto, os outros matrimônios, embora sejam intrinsecamente indissolúveis, não possuem contudo uma indissolubilidade extrínseca absoluta mas, tendo-se em conta determinados pressupostos necessários, podem (como se sabe, trata-se de casos relativamente bastante raros) ser dissolvidos pelo privilégio paulino e também pelo Romano Pontífice, em virtude do seu poder ministerial" (Alocução à Rota Romana, 3 de Outubro de 1941: AAS 33 [1941], pp. 424-425)

Vejam: o cânone 1.142 diz que o Papa pode dissolver, mas não está obrigado a tanto, não havendo direito do casal à dissolução. Afinal, estamos tratando de um matrimônio válido, que é também um sacramento. Na Idade Média, por exemplo, isto às vezes ocorria para que a pessoa pudesse ingressar na vida religiosa ou sacerdotal. As pessoas casavam-se validamente, mas não consumavam o matrimônio (por vezes, faziam um voto privado de continência). Algum tempo depois, pediam a dissolução do vínculo, para entrarem na vida religiosa ou sacerdotal. E o Papa concedia, já que não houve consumação. Embora se evite usar o nome divórcio para não suscitar mal entendido ou confusão com o divórcio civil, é exatamente isso que ocorre aqui - uma dissolução de um vínculo matrimonial válido. Esta é a única hipótese em que um matrimônio sacramental válido pode ser dissolvido.

Em próximo post, vamos analisar a questão do privilégio paulino, uma forma de dissolução de um matrimônio natural válido (não sacramental).




[1] "[...] desde esta perspectiva, puede decirse que toda potestad poseída por el Romano Pontífice es vicaria: cabalmente, es el Vicario de Cristo en la tierra. En este sentido, algún sector doctrinal que ha prestado particular atención a estas cuestiones, tratando de sintonizar con la amplia visión de los canonistas y teólogos del Medievo y del siglo XVI, habla también de 'considerar al Papa como vicario de Dios Creador y de Cristo Redentor, el cual tiene una relación particular con todos los hombres, como criaturas de Dios y como redimidos por Cristo, y con el derecho natural, en cuanto es su custodio e intérprete, con facultad de poder dispensar de él en casos particulares, si así lo pide el bien de las almas' ". Comentario Exegético al Código de Derecho Canónico. Vol. III/2. 3. ed. Pamplona: EUNSA, 2002. p. 1.552-1.553.

domingo, 29 de março de 2015

PODE-SE CELEBRAR O MATRIMÔNIO CATÓLICO FORA DO ESPAÇO DA IGREJA?

Uma das perguntas mais frequentes quando casais estão se preparando para o matrimônio diz respeito à possibilidade de se celebrar um matrimônio católico fora do espaço de uma igreja. Alguns noivos gostariam de casar-se perante um ministro religioso católico, mas na praia, na casa de festa, em sítios ou fazendas, há inclusive os que desejariam casar-se na Disneylândia (não é piada, a Disneylândia possui um espaço reservado para casamentos e, ao que parece, o local é bem concorrido).  

Qualquer visita a blogs de noivas, de casamento ou de cerimonialistas de casamento mostra que esta é uma pergunta recorrente. Há casas de festa que, inclusive, anunciam uma promoção: contrate a festa, e o "celebrante" é dado de brinde, para fazer o casamento dentro da própria casa de festa. E então, isso é possível?

RESPOSTA: Não, em regra isso não é possível. 

O cânone 1.118, § 1 do Código de Direito Canônico estabelece: 

Cân. 1118 — § 1. O matrimônio entre católicos ou entre uma parte católica e outra não católica mas batizada celebre-se na igreja paroquial; pode celebrar-se noutra igreja ou oratório com licença do Ordinário ou do pároco.

Portanto, a regra geral é de que não é possível aos católicos casar-se fora de lugares sagrados. Há uma importante razão espiritual para isso: o matrimônio é um vínculo natural que, entre os cristãos (sejam eles católicos ou não), foi elevado à dignidade de sacramento por Cristo Senhor (cân. 1.055). Portanto, a graça divina não anula a natureza, mas a eleva a uma ordem sobrenatural. Dada a natureza também sagrada deste vínculo, é prudente, conveniente e oportuno que sua constituição se dê dentro de um recinto sagrado, de maneira a expressar de forma mais plena o caráter sacro de tal instituição. Ou, caso se prefira colocar deste modo, é mais consentâneo com a teologia do sacramento que este seja celebrado no lugar sagrado, sobretudo pela existência aí do Ssmo. Sacramento, presença substancial de Nosso Senhor nos tabernáculos de nossas igrejas.

Dito isto, atente-se para o fato de que dissemos apenas que, em regra, isso não é possível. Mas a regra admite exceção, prevista no cân. 1.118, § 2:

Cân. 1118 — § 2. O Ordinário do lugar pode permitir que o matrimônio se celebre noutro lugar conveniente.  

Primeiramente, deve-se lembrar que esta exceção não configura um direito do fiel a casar-se fora do espaço da igreja. O Ordinário (em geral, o bispo diocesano) não pode ser compelido a permitir um matrimônio católico fora de uma igreja. É uma faculdade que o direito canônico confere ao Ordinário, que poderá exercê-la ou não.

Em segundo lugar, na prática, é bastante incomum e raro que o Ordinário conceda esta permissão, pelas razões teológicas acima expostas. Por isso, deve haver uma justificativa séria o suficiente, por parte dos nubentes, para que o Ordinário conceda a permissão para casar-se fora do espaço da igreja. Meras questões logísticas ("é mais prático casar-se na casa de festa") ou de gosto pessoal dos nubentes ("amamos a praia ou o campo"; "queremos nos casar na Disneylândia pois foi lá que nos conhecemos") em geral não são suficientes para que o bispo dê esta permissão. 

Tentemos esboçar um exemplo de questão séria: os nubentes moram em local distante e isolado, que conta com uma única igreja católica. Porém, a igreja do local recentemente sofreu um incêndio e não está podendo ser utilizada antes de uma reforma. Neste caso, há uma chance considerável de que o bispo permita o casamento fora da igreja. Mas, obviamente, este não é o caso da maioria dos noivos que deseja se casar fora do espaço da igreja. 

Há ainda outra exceção, prevista no cân. 1.118, § 3: 

Cân. 1118 — § 3. O matrimônio entre uma parte católica e outra não batizada pode celebrar-se na igreja ou noutro local conveniente.   

Se o católico irá casar-se com uma pessoa que nem sequer é cristã (seja católica ou cristã de outra igreja ou comunidade cristã), por exemplo, com um judeu, um muçulmano, um budista, então desaparece a razão teológica que indicamos de elevação do matrimônio, um vínculo natural, ao nível sobrenatural de sacramento. O casamento entre um católico e um não-cristão, embora possa ser válido como instituição natural, não é sacramento, e, por isso, não há uma razão teológica suficientemente forte que imponha a realização deste casamento dentro do espaço da igreja, podendo os noivos optar livremente por casar-se fora dela. Mas, neste caso, deverão obter permissão do bispo não quanto ao local do casamento, mas sim para a validade do próprio casamento, visto que se trata de um casamento com disparidade de culto, situação em que a Igreja exige uma série de condições para dispensar o fiel católico para casar-se com um não batizado, de modo a tutelar a fé da parte católica e dos filhos que nascerem deste casamento.

Eis aí a resposta para a pergunta.


sexta-feira, 6 de março de 2015

CELIBATO, CONTINÊNCIA E CASTIDADE

Celibato, continência e castidade... Três conceitos que facilmente são baralhados na linguagem quotidiana, tomados muitas vezes como sinônimos, mas que são, efetivamente, diferentes. Sua compreensão adequada é imprescindível para o direito canônico, pois, para cada uma destas figuras, existem consequências e efeitos jurídico-canônicos diversos, seja em relação à vida matrimonial, religiosa ou clerical. É impossível compreender retamente, por exemplo, a questão da possibilidade de homens casados se tornarem presbíteros (padres), ou mesmo o tema da validade do matrimônio não consumado, se a diferença entre estes conceitos não for estabelecida.

Para fazer esta distinção, valemo-nos, com adaptações, da excelente explicação que o canonista estadunidense Edward Peters dá sobre o tema, a qual tem o mérito de ser concisa e clara (o original em inglês pode ser consultado aqui).

Celibato é um estado de vida decorrente de uma escolha deliberada de não se casar. Não se configura pelo simples fato de estar solteiro por circunstâncias quaisquer não livremente escolhidas. É, na verdade, o estado de vida de um solteiro qualificado pela decisão livre de não se casar. Um jovem que deseja encontrar uma namorada para casar-se, enquanto não a encontra, ou, encontrando-a, enquanto ainda a namora, não é propriamente um celibatário, pois não escolheu deliberadamente o estado de vida de não casar-se, tanto é que busca encontrar alguém para sua esposa. A pessoa que, querendo casar-se, não encontra alguém que queira casar-se com ela, não é propriamente celibatária, pois tal decisão não é deliberada livremente, mas uma imposição das circunstâncias da vida.

Quando não há uma escolha deliberada por não se casar, é preferível dizer que a pessoa está ou é solteira, mas não que é celibatária. Solteiras são, por exemplo, as crianças (que poderão ou não desejar casar-se quando adultas), as pessoas que esperam casar-se ou se preparam para o casamento, a pessoa que ficou viúva após a morte do cônjuge e que aceitaria casar-se novamente.

A decisão pelo celibato (portanto, escolha livre e deliberada por este estado de vida) não necessita sempre ser por motivos nobres ou altruístas. Celibatário é tanto o sacerdote e o religioso que optam por este estilo de vida de modo a melhor se consagrar ao serviço de Deus e da Igreja como a pessoa que não deseja casar-se para não ter responsabilidades com outras pessoas ou para que não seja importunado em seu estilo de vida, bem como as pessoas viúvas que preferem fechar-se a um novo casamento após a morte do cônjuge ou aqueles que não se casam para se dedicar aos cuidados de parentes idosos ou enfermos. O essencial para configuração do celibato é a escolha deliberada por um estilo de vida que exclui o casamento por parte de uma pessoa que, se quisesse, poderia livremente optar pelo casamento (seja lá qual for a finalidade que se almeja com esta exclusão matrimonial). 

Continência, por sua vez, é a escolha deliberada por não praticar atos sexuais. A moral cristã exige a continência de todos aqueles que não se encontram casados, pois somente dentro do casamento é moralmente legítimo a prática de atos sexuais. Celibatária ou solteira, toda e qualquer pessoa que não seja casada, seja por opção ou não, é chamada à continência sexual, seja o rapaz que está namorando, a moça solteira, o padre, a freira, o monge, os viúvos etc. Historicamente, a Igreja Latina (a Igreja Católica do Ocidente, que segue o rito romano) também exigia do clero casado tal continência, apesar de serem casados, mas esta peculiar situação será tratada em outro post.

Para distinguir bem o celibato da continência, podemos formular um exemplo: um padre celibatário opta por não se casar e o próprio direito canônico o impede de contrair matrimônio sem a devida dispensa a partir de sua ordenação diaconal. Embora seja celibatário, pode acontecer de este padre nem sempre ser continente, pois pode vir, ocasionalmente, a praticar atos sexuais fora de um matrimônio (hipótese em que, obviamente, peca). Mas veja-se que o pecado não está propriamente na violação do celibato, mas sim da continência - o fato de ele praticar ato sexual com determinada pessoa não quer dizer necessariamente que ele deseje casar-se com ela ou abandonar o estado de vida celibatário. Significa apenas que o clérigo em questão foi incontinente, ou seja, não seguiu a continência sexual que a moral cristã exige de toda e qualquer pessoa não casada (seja clérigo celibatário, religioso ou leigo). A obrigação de manter-se continente, abstendo-se de atos sexuais, abarca a todos os cristão não casados, não somente a clérigos celibatários e religiosos.

Quanto aos casados, podem, por razões várias (razões espirituais, planejamento familiar natural, necessidade de viagem por período longo etc.), abster-se durante certos períodos da prática sexual, por livre decisão do casal. Em alguns casos, podem decidir-se (de comum acordo) por não manter mais relações sexuais. O exemplo máximo desta continência entre casados é o matrimônio entre a Virgem Ssma. e São José. Veja que ambos eram verdadeiramente e validamente casados (não eram celibatários), porém foram perfeitamente continentes dentro do matrimônio. Isto nos prova que ser celibatário e ser continente são coisas distintas. Obviamente, todo celibatário deve ser também continente, em razão do fato de que não se pode casar (e o cristão que não se casa, seja ele quem for, não deve praticar atos sexuais fora do casamento). Já o solteiro também deve ser continente, mas, se vier a se casar, poderá cessar esta continência. Os casados podem ser continentes por opção (não se lhes é exigida tal continência), desde que de comum acordo.

Por fim, a castidade é uma virtude por meio da qual a pessoa faz uso de sua faculdade sexual de modo adequado a seu estado de vida. Um cristão não casado (solteiro ou celibatário, não importa) será casto ao exercer a continência, isto é, ao não praticar atos sexuais precisamente por não ser casado, pois o seu estado de vida (não casado) assim o exige. Já a castidade entre casados não pode ser confundida com abstinência sexual. Os casados são castos tanto mantendo a prática sexual retamente ordenada entre si, como optando por abstinências periódicas ou por continência por prazo indeterminado (desde que de comum acordo). São formas distintas de se viver a castidade entre casados, mas jamais se pode dizer que a prática sexual retamente ordenada entre casados seja pecaminosa ou contrária à castidade. Pelo contrário, os casados, quando mantêm relações sexuais normais entre si, são tão castos quanto ao se absterem de sexo, pois a prática sexual é uma das formas adequadas de uso da faculdade ou potência sexual dentro do casamento.

Edward Peters finda sua explicação com uma lapidar conclusão: a Igreja ensina que todos são chamados a observar a castidade própria de seu estado de vida; a continência é exigida de todos os não casados (solteiros ou celibatários); e algumas pessoas solteiras, por motivos louváveis, optarão por não se casar e seguir o estado de vida celibatário, sendo que, em regra, na Igreja Latina (Ocidental), a opção pelo celibato é uma condição para ingresso na vida religiosa ou sacerdotal.

Obs: A questão do clero casado e sua relação histórica e atual com a chamada continência clerical (uma modalidade de continência específica exigida somente dos clérigos casados) será objeto de outros posts.