terça-feira, 1 de dezembro de 2015

CRISTÃOS NÃO-CATÓLICOS PODEM RECEBER A EUCARISTIA EM CELEBRAÇÕES EUCARÍSTICAS CATÓLICAS?

A resposta é SIM, mas existem condições para isto.

Recentemente, o Cardeal Robert Sarah, Prefeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, teria dito que não é possível a cristãos não-católicos receber a Eucaristia em celebrações eucarísticas católicas, pois seria necessário ser católico para receber a Eucaristia.  

Embora o cardeal esteja certo ao explicitar a regra geral e a razão teológica por trás dela (em regra, a Eucaristia, como sacramento da unidade, somente é administrada a fiéis católicos, e não a cristãos que não estão em plena comunhão com a Igreja Católica Apostólica Romana), na verdade, em relação à "communicatio in sacris" ("comunhão nas coisas sagradas"), a matéria é canonicamente mais delicada. Em favor do Cardeal Sarah, diga-se que não é canonista, razão pela qual é escusável que não compreenda todas as dimensões do problema.

A bem da verdade, o próprio Cardeal Sarah reconhece que a regra geral não está revestida de tamanha rigidez, quando, mais adiante em sua entrevista, admite que um anglicano possa receber a comunhão em uma celebração católica, desde que devidamente disposto e em situações excepcionais. Mas nem todos os veículos de comunicação estão reproduzindo as palavras do Cardeal Sarah em sua íntegra. Por isso, vale a pena explicitar aqui as regras canônicas atualmente em vigor acerca da recepção do sacramento da Eucaristia por cristãos não-católicos.

O tema encontra-se previsto nos cânones 844, §3 e §4 do Código de Direito Canônico. Iniciemos pelo §3:

§ 3. Os ministros católicos administram licitamente os sacramentos da penitência, Eucaristia e unção dos enfermos aos membros das Igrejas orientais que não têm plena comunhão com a Igreja católica, se eles o pedirem espontaneamente e estiverem devidamente preparados; vale o mesmo para os membros de outras Igrejas que, a juízo da Sé Apostólica no que se refere aos sacramentos, se acham nas mesmas condições que as referidas Igrejas orientais.

Este primeiro grande grupo de fiéis cristãos que pode receber a Eucaristia das mãos de ministros católicos é composto por aqueles cristãos que pertencem às Igrejas orientais que não estão em comunhão com a Sé Romana (tanto Ortodoxos como os Ortodoxos pré-calcedonianos e Ortodoxos pré-efesianos). O §3 também estende esta disciplina a outras Igrejas que, a juízo da Santa Sé, no que se refere aos sacramentos, se acham nas mesmas condições que as referidas Igrejas orientais.

Exemplifiquemos falando concretamente de quais grupos são estes:

1) Igrejas ortodoxas: Patriarcado Ortodoxo Ecumênico de Constantinopla, Patriarcado Ortodoxo de Alexandria, Patriarcado Ortodoxo de Jerusalém, Patriarcado Ortodoxo de Antioquia,  Patriarcado Ortodoxo da Rússia e as demais Igrejas Ortodoxas (cuja data de separação formal da Igreja Católica Apostólica Romana é geralmente situada no ano de 1054);

2) Igrejas ortodoxas pré-calcedonianas: Igreja Copta, Igreja Etíope, Igreja da Eritreia, Igreja Armênia, Igreja Ortodoxa Siríaca e Igreja Ortodoxa Siríaca Malankara da Índia (cuja data de separação formal da Igreja Católica Apostólica Romana e das demais Igrejas Ortodoxas é geralmente situada no ano de 451, por não aceitarem declarações dogmáticas do Concílio de Calcedônia);

3) Igreja ortodoxa pré-efesiana: Igreja Assíria do Oriente (cuja data de separação formal da Igreja Católica Apostólica Romana e das demais Igrejas Ortodoxas é geralmente situada no ano de 431, por não aceitarem declarações dogmáticas do Concílio de Éfeso).
           
Quanto aos grupos a eles equiparados, uma decisão da Congregação para a Doutrina da Fé, de 3 de janeiro de 1987 (Prot. n. 795/68), afirma que, "dentre as Igrejas que estão na mesma situação das Igrejas Orientais mencionadas no cân. 844 § 3, incluem-se as Igrejas véterocatólicas na Europa e a Igreja Nacional Polonesa nos EUA".[1]

O que todos esses grupos de não-católicos acima descritos têm em comum, a permitir que comunguem das mãos de ministros católicos bastando que: 1) o peçam espontaneamente; 2) estejam devidamente preparados?

São comunidades cristãs que preservaram as principais verdades do depósito da fé, como, por exemplo, a crença em sete sacramentos, na presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, no papel da Virgem Maria na economia salvífica, na instituição pelo Senhor de uma hierarquia para governar a Igreja. Por esse motivo, podem ser chamadas propriamente de "Igrejas", ainda que não em plena comunhão com a Sé Romana. Essas Igrejas, em regra, mantiveram sacerdócio válido, de modo que os sacramentos por elas celebrados são válidos (são verdadeiramente sacramentos).

Agora sigamos para o segundo grande grupo de fiéis cristãos não católicos, previsto no § 4 do cânone 844:

§ 4. Se houver perigo de morte ou, a juízo do Bispo diocesano ou da Conferência dos Bispos, urgir outra grave necessidade, os ministros católicos administram licitamente esses sacramentos também aos outros cristãos que não têm plena comunhão com a Igreja católica e que não possam procurar um ministro de sua comunidade e que o peçam espontaneamente, contanto que manifestem, quanto a esses sacramentos, a mesma fé católica e estejam devidamente dispostos.

Este grupo é composto por aqueles cristãos que não preservaram as principais verdades do depósito da fé, por exemplo, não crendo na instituição divina de sete sacramentos (alguns são assacramentais, outros creem que Jesus apenas instituiu alguns dos sete, como o batismo e a Eucaristia), não crendo na Eucaristia como presença real de Jesus Cristo, não crendo na instituição pelo Senhor de uma hierarquia para governar a Igreja, entre outros aspectos que são negados.

Nesta situação, encontra-se a grande maioria dos fiéis oriundos da Reforma Protestante, divididos em milhares de denominações diferentes espalhadas pelo mundo inteiro. Por não haverem mantido os aspectos mais essenciais do depósito da fé, tais comunidades não são propriamente chamadas de "Igrejas" pela Igreja Católica Apostólica Romana,  mas são simplesmente denominadas "comunidades eclesiais". Essas comunidades, em regra, não mantiveram sacerdócio válido, de modo que os sacramentos por elas celebrados são inválidos (não são verdadeiramente sacramentos).[2]

Por este motivo, os requisitos cumulativos para que um cristão pertencente a uma dessas comunidades eclesiais seja admitido à comunhão eucarística são bem mais rigorosos. São eles:

1) haver perigo de morte ou, a juízo do Bispo diocesano ou da Conferência dos Bispos, urgir outra grave necessidade;

2) não possam procurar um ministro de sua própria comunidade eclesial;

3) que o peçam espontaneamente;

4) manifestem, quanto a esses sacramentos, a mesma fé católica;

5) estejam devidamente dispostos.

Para os cristãos desse segundo grupo (oriundos da Reforma Protestante), não se exige apenas que peçam o sacramento espontaneamente e estejam devidamente preparados, como ocorria com os membros do primeiro grupo (os quais preservaram aspectos essenciais do depósito da fé e sacerdócio válido). Aqui, exige-se mais: também deve haver perigo de morte ou grave necessidade estabelecida pelo bispo diocesano ou pela Conferência Episcopal, uma dificuldade (moral ou física) de procurar um ministro de sua própria comunidade não-católica, bem como manifestar a fé católica quanto a esses sacramentos pedidos.

No caso da Eucaristia, a Igreja Católica Apostólica Romana presume que os membros dos grupos saídos da Reforma Protestante não creem na presença real de Jesus Cristo no pão e vinho consagrados. Por essa razão, somente um membro desse grupo que demonstrasse fé católica quanto a este ponto (ou seja, acreditasse efetivamente na presença real) poderia ser admitido, desde que cumprisse também as demais condições.

Esta, em breve síntese, a atual posição da Igreja Católica Apostólica Romana sobre a questão da recepção de sacramentos das mãos de ministros católicos por parte de cristãos não-católicos. Retomando a pergunta inicial, isso é sim possível, e as condições para que isso ocorra dependerão do grupo cristão a que pertence o fiel não-católico que pede os sacramentos aos ministros católicos.



[2] À exceção do batismo e do matrimônio, que podem ser válidos mesmo nessas comunidades eclesiais, por razões que não cabe agora explicar neste post.