sexta-feira, 6 de junho de 2014

UM CATÓLICO PODE SER MAÇOM? PERSPECTIVA CANÔNICA

A provocativa pergunta que dá título a este post é bastante frequente e pode ser respondida sob dois ângulos: quanto à teologia e quanto ao direito penal canônico.

Quanto à teologia, não serão explicadas a fundo as razões pelas quais não se pode ser católico e maçom, pois o blog é voltado antes para o direito canônico, mas é importante deixar claro desde já: um católico não pode ser maçom, pois a participação como membro na maçonaria de qualquer tipo constitui pecado grave e impede a recepção do sacramento da Eucaristia, como ficou esclarecido pela Congregação da Doutrina da Fé e se verá abaixo.

Em suma, as razões teológicas para que um católico não possa ser maçom, segundo relatório da Conferência Nacional dos Bispos Alemães (1980) são: 1) a visão de mundo maçônica, em que se promove uma negação de aderência dogmática a qualquer conjunto de verdades reveladas, o que entra em conflito direto com a necessidade de o cristão aderir às verdades reveladas; 2) a tendência maçônica a negar o caráter objetivo da verdade, colocando a verdade em um contexto relativo; 3) visão relativista da religião, em que todos os caminhos são vistos como igualmente válidos para alcançar o Absoluto; 4) a visão teísta de Deus, que exclui a noção de um Deus pessoal; 5) a negação da possibilidade de autorevelação de Deus à humanidade; 6) o ritual maçônico, que traz um simbolismo que parece mimetizar a mudança operada pela ordenação católica; 7) a pretensão da maçonaria de oferecer os meios necessários para atingir a perfeição humana faz tábula rasa da obra salvífica de Cristo; 8) a maçonaria exige um comprometimento de toda a vida do maçom com a organização, a qual exige lealdade em primazia à organização, o que pode comprometer a vivência da fé cristã; 9) mesmo aquelas lojas que são amistosas com a Igreja intentam meramente adaptar o cristianismo à visão de mundo maçônica.  

Mas, do ponto de vista do direito penal canônico (ramo que cuida da punição de delitos canônicos), o fato de ser membro da maçonaria pode ser suposto de aplicação de alguma penalidade? É muito comum, por um lado, ouvir que a participação na maçonaria seria punível com a pena de excomunhão, e, por outro, que não se pune mais de modo tão severo a simples participação na maçonaria, uma vez que as querelas históricas entre Igreja e maçonaria estariam superadas.

O objetivo deste post é justamente esclarecer a questão do ponto de vista canônico. Para os que não quiserem ler a longa explicação, há um brevíssimo resumo das conclusões principais ao final do texto. 

O antigo cânone 2335 do Código de Direito Canônico de 1917 estabelecia:

"Cân. 2335 - Quem der seu nome à seita maçônica, ou a outras associações do mesmo gênero, que maquinem contra a Igreja ou contra as potestades civis legítimas, incorrem ipso facto em excomunhão simplesmente reservada à Sé Apostólica".

Portanto, como se vê, o Código de 1917 punia com excomunhão ipso facto (automática) a participação na maçonaria. 

Ocorre que o Código de Direito Canônico atual (1983) ab-rogou o Código anterior (ou seja, revogou-o em sua integralidade), bem como revogou quaisquer leis penais, universais ou particulares, dadas pela Sé Apostólica, que não tenham sido acolhidas no novo Código. Veja-se o cânone 6, §1, 1º e 3º do Novo Código:

"Cân. 6 - § 1. Com a entrada em vigor deste Código, são ab-rogados:
1.° o Código de Direito Canônico promulgado no ano de 1917;
3º quaisquer leis penais, universais ou particulares, dadas pela Sé Apostólica, a não ser que sejam acolhidas neste Código;".

Então, se o cânone 2335 do antigo Código, que previa expressamente a pena de excomunhão para a participação na maçonaria, foi revogado, continuaria o novo Código veiculando pena canônica nesta situação?

Embora o novo Código não nomeie a maçonaria expressamente, a possibilidade de aplicação de pena canônica para participação de católicos na maçonaria permanece no Código de Direito Canônico atual, em seu cânone 1374:

"Cân. 1374 — Quem der o nome a uma associação, que maquine contra a Igreja, seja punido com pena justa; quem promover ou dirigir tal associação seja punido com interdito."

Portanto, embora a maçonaria não seja mais nomeada, a repetição de termos presente neste novo cânone em relação ao anterior leva à interpretação da norma nova à luz da tradição canônica de que a maçonaria está incluída aí, como estabelece o cânone 6, §2 do atual Código:

"Cân. 6 - § 2. Os cânones deste Código, na medida em que reproduzem o direito antigo, devem entender-se tendo em consideração também a tradição canônica."

Obviamente, a punição foi mantida, mas não com o mesmo rigor.

Uma diferença óbvia: antes, a punição já estava determinada previamente para quem participasse da maçonaria - a excomunhão automática (latae sententiae), reservada à Sé Apostólica. O Ordinário (em regra, o bispo diocesano) não poderia levantar tal excomunhão, salvo se possuísse delegação da Sé Apostólica para tanto (delegação esta que, diga-se de passagem, era bastante comum no século XX). Atualmente, o Código fala apenas em "seja punido com pena justa". Portanto, a pena não é mais a excomunhão. Tampouco a pena é automaticamente aplicada, mas agora é ferendae sententiae, ou seja, depende da declaração pela autoridade eclesiástica competente. Ademais, a pena não é mais reservada à Sé Apostólica.

Outra diferença: o revogado cânone 2335 punia a pessoa ligada à maçonaria automaticamente. Não era necessária a prova de que a maçonaria maquinava contra a Igreja. Isto era dado como pressuposto. A dúvida restava quanto ao fato de ser possível ao acusado provar que seu ramo especifico da maçonaria não maquinava contra a Igreja.

Em uma interpretação mais rigorista, ainda que o indivíduo provasse categoricamente que sua loja maçônica somente fazia filantropia e nada falava contra a Igreja, isto de nada valeria, pois era instituída uma praesumptio iuris et de iure (presunção absoluta, que não admite prova em contrário) de que a maçonaria é contrária à Igreja.

Dentro desta lógica, está implícito o fato de que não é possível qualquer forma de maçonaria que não maquine contra a Igreja, nem que seja por exigir dos maçons a aceitação de doutrinas em franca oposição à Igreja. Portanto, o maquinar contra a Igreja seria ínsito e conatural a qualquer tipo de maçonaria, o que levaria o maçom a ser punido sempre.

Contra tal interpretação, além de pesar o fato de que a interpretação da lei penal da Igreja deve ser benévola, também há o problema de que a administração de justiça na Igreja preocupa-se com a verdade das coisas - ora, se o réu logrou provar que, na realidade, sua loja maçônica não maquina contra a Igreja (pelo contrário, antes estimula que seus membros frequentem a Igreja), seria sumamente injusto ignorar tal prova para aplicar-lhe a excomunhão, pena gravíssima espiritual e socialmente à época.

Em uma interpretação mais benévola do antigo cân. 2335, seguida, por exemplo, por CORONATA (na obra Institutiones Iuris Canonici), a presunção de que a loja maçônica a que ligada o réu maquinava contra a Igreja não seria absoluta, mas meramente relativa (praesumptio iuris tantum), admitindo prova em contrário. Ou seja, caberia ao réu provar tal fato (que sua loja maçônica não maquinava contra a Igreja) para que se levantasse a pena de excomunhão que fora aplicada de modo automático.

Se o católico provasse que sua loja maçônica não teria entre seus objetivos atacar a Igreja e que isto se tratava de mera reminiscência histórica entre aqueles maçons, então não deveria ser punido por isso.

Com base neste raciocínio, várias Conferências Episcopais ao redor do mundo começaram a fazer a seguinte pergunta à Sé Apostólica: ora, historicamente os maçons combatiam a Igreja. Hoje, muitos já não o fazem, preocupam-se com outras coisas, sem ataque frontal à Igreja. Logo, estes não podem mais ser punidos. Veja-se que estas consultas foram anteriores ao próprio novo Código de 1983. Algumas Conferências Episcopais já tinham dúvidas quanto à interpretação do antigo cân. 2335.

Por conta destas várias consultas de Conferências Episcopais nacionais acerca da reta interpretação deste tema, a Congregação para a Doutrina da Fé, em um primeiro momento (1974, sendo Prefeito o cardeal Šeper), em carta privada a algumas Conferências Episcopais, respondeu de uma forma que instigou grande confusão: poderiam existir associações maçônicas que não conspirassem em nenhum sentido contra a Igreja nem contra a fé dos católicos e, neste caso, o maçom participante de tal maçonaria não restaria excomungado. Portanto, o cân. 2335 (à época, ainda em vigor) não mais se aplicava automaticamente, devendo-se perquirir se de fato havia maquinação contra a Igreja na loja maçônica em questão. O citado cardeal Šeper, diante das interpretações equivocadas a que a resposta deu azo (ou seja, muitas pessoas começaram a entender que era sim possível ser católico e maçom, desde que membro de uma loja que não atacasse a Igreja), teve de emitir, em 1981, um comunicado esclarecendo a posição da Igreja sobre o status dos católicos que fossem maçons.

Segundo tal declaração, a disciplina do cân. 2335 mantinha-se vigente até aquele momento (1981), isto é, punição com excomunhão, até que sobreviesse a nova norma do novo Código que ainda estava sendo elaborado (e que só foi promulgado em 1983). A Congregação para a Doutrina da Fé afirmou que seu comunicado privado de 1974 havia sido mal interpretado, e que, em 1974, apenas desejara recordar princípios gerais de interpretação do direito penal canônico para solução de casos individuais e específicos que pudessem estar submetidos ao julgamento dos Ordinários (ou seja, de que, em matéria grave de punição, deve a Igreja apurar a verdade dos fatos). Não era sua intenção permitir que as Conferências Episcopais apresentassem declarações públicas de caráter genérico sobre a natureza das sociedades maçônicas que deixassem implícita qualquer revogação das normas canônicas então vigentes (in casu, o cân. 2335).

Já em 1983, após a promulgação do novo Código, o novo Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o então cardeal Ratzinger, publicou uma declaração sobre as sociedades maçônicas, em razão de consultas que tinham por base o fato de o novo cân. 1374 não mencionar expressamente a maçonaria. A ausência de menção expressa pareceu, para muitos, o fim da proibição. Por este documento, reafirmou-se a doutrina da Igreja de que, da perspectiva da Teologia Moral, é sempre objetivamente pecaminoso e afasta da comunhão eucarística a participação na maçonaria.

O cardeal Ratzinger, em audiência com o Papa João Paulo II, obteve a aprovação do Pontífice para a seguinte declaração:

"Foi perguntado se mudou o parecer da Igreja a respeito da maçonaria pelo fato que no novo Código de Direito Canônico ela não vem expressamente mencionada como no Código anterior.

Esta Sagrada Congregação quer responder que tal circunstância é devida a um critério redacional seguido também quanto às outras associações igualmente não mencionadas, uma vez que estão compreendidas em categorias mais amplas.

Permanece portanto imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçônicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e por isso permanece proibida a inscrição nelas. Os fiéis que pertencem às associações maçônicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão.

Não compete às autoridades eclesiásticas locais pronunciarem-se sobre a natureza das associações maçônicas com um juízo que implique derrogação de quanto foi acima estabelecido, e isto segundo a mente da Declaração desta Sagrada Congregação, de 17 de Fevereiro de 1981 (cf. AAS 73, 1981, p. 240-241).

O Sumo Pontífice João Paulo II, durante a Audiência concedida ao subscrito Cardeal Prefeito, aprovou a presente Declaração, decidida na reunião ordinária desta Sagrada Congregação, e ordenou a sua publicação. Roma, da Sede da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, 26 de Novembro de 1983."

Portanto, como se pode ver, a proibição moral continua existindo e, além disso, é penalmente prevista no cân. 1374 como delito (mesmo que não haja mais menção expressa à maçonaria), embora seja punida com menos rigor, como acima identifiquei.

Contudo, uma importante ressalva deve ser feita: para que seja aplicada a pena, diferentemente de outrora, em que a punição se dava de modo automático, é necessário que esta punição seja declarada pela autoridade eclesiástica competente.

Portanto, antes da aplicação da pena, abre-se a oportunidade para que o réu demonstre que a maçonaria em questão efetivamente não maquina contra a Igreja. O novo cân. 1374 não deixa mais dúvidas de que o requisito de "maquinar contra a Igreja" é elemento do tipo (previsão) penal para toda e qualquer associação (inclusive a maçonaria). Sem esta elementar do tipo, participar da maçonaria é pecado grave e afasta da recepção da comunhão, como recordou o cardeal Ratzinger (da perspectiva da teologia moral), mas não é punível penalmente, por ausência de previsão legal.

É importante fixar a distinção entre pecado grave (moralmente proibido) e delito canônico (legalmente punível). Todo delito canônico, além de punível, é, ao mesmo tempo, moralmente proibido como pecado, mas a recíproca não é verdadeira. Ao revés, a grande maioria dos pecados é moralmente proibida, mas não é penalmente punível canonicamente.

No direito penal canônico, também vige como regra geral o princípio geral de direito penal de "nullum crimen nullaque poena sine lege previa" (não há crime nem pena sem lei prévia), apenas com a exceção do cân. 1399, que não é relevante para o presente caso. Portanto, é necessário que a autoridade legítima na Igreja (no caso, o Santo Padre, que é o legislador supremo) entenda que aquela conduta pecaminosa é de tal modo perturbadora da boa ordem social da Igreja que mereça ser penalmente prevista e punida em lei incriminadora (tipificação penal) e, mesmo assim, para alcançar apenas fatos ocorridos após sua promulgação.

Deve haver também uma violação externa ou perceptível de tal lei penal, isto é, capaz de ser provada no foro externo (dimensão objetiva do delito). Em relação à dimensão subjetiva, deve haver uma intenção livre e minimamente consciente de violar a lei ou, ao menos, negligência culposa grave que conduza a sua violação, nos casos em que a lei prevê a modalidade culposa do delito (imputabilidade moral).

Formulemos um exemplo: não guardar domingos e dias de preceito constitui pecado grave, mas não é delito canonicamente punível. O aborto conscientemente provocado, por sua vez, além de pecado grave, é delito canônico punido com a pena canônica mais grave, a excomunhão automática (latae sententiae).

Portanto, diferentemente de outros pecados graves que não são previstos como delitos canonicamente puníveis, a participação na maçonaria, além de pecado grave, também deve ser punida com uma pena justa somente se a maçonaria do caso concreto maquine contra a Igreja. Por conta disto, a pena não pode mais ser aplicada automaticamente, pois deve-se aferir se a maçonaria a que o católico estava filiado maquinava ou não contra a Igreja.

Se a maçonaria a que estava ligado o fiel não maquina contra a Igreja, sua participação é moralmente proibida e constitui pecado grave, mas não é delito canônico. Pelo contrário, se a maçonaria específica pelo fiel frequentada maquina contra a Igreja, então, além de pecado grave, será delito canônico (pressupondo-se, é claro, que o fiel conhecia a proibição ou que conhecia a maquinação contra a Igreja, pois poderia estar em um grau inicial da maçonaria em que esta oposição à Igreja não lhe tivesse sido revelada).

A questão probatória quanto ao fato de uma loja maçônica concreta maquinar contra a Igreja é tormentosa. Assemelha-se aquilo que se convencionou denominar prova diabólica, não no sentido espiritual do termo, mas sim em seu sentido técnico-jurídico, em que se chama diabólica aquela prova dificílima ou impossível de ser produzida. Tratando-se de uma sociedade secreta, como se pode aquilatar se maquina ou não contra a Igreja, ou que o declarante fala a verdade acerca deste tema?

Há uma grande tentação para que o investigado minta sobre o tema, pois se admitir que sua loja maçônica maquina contra a Igreja, será punido, sendo muito mais simples dizer que não maquina. Provavelmente, ainda que minta, não será "desmentido" neste particular por seus confrades maçons.

Diante desta dificuldade, como distribuir o ônus da prova entre as partes envolvidas no processo de aplicação da pena? Quem deve provar se há ou não maquinação contra a Igreja? A autoridade eclesiástica, em sua acusação, ou o réu, em sua defesa?

Na visão tradicional, expressa por CORONATA e acima explicada, incumbe à autoridade eclesiástica, para aplicar legitimamente a pena, provar tão-somente a participação na maçonaria por parte do réu, mas não a existência de maquinação contra a Igreja, a qual é pressuposta (contudo, CORONATA escrevia diante de uma situação normativa em que a excomunhão do maçom era automática). Ao réu caberá, em sua defesa, buscar provar que a maçonaria em questão dedica-se a outros temas, em nada cuidando de opor-se à Igreja (pode ser que determinada loja maçônica até estimule seus membros católicos a serem praticantes do catolicismo).

Porém, o cân. 1526, §2, 1º afirma que apenas não necessitam de prova os fatos que a lei presume, bem como o cân. 1586 afirma que o juízo não deve deduzir presunções que não estejam estabelecidas em lei. Portanto, não havendo norma expressa que permita presumir que tal ou qual associação maçônica efetivamente maquina contra a Igreja, caberia a quem acusa provar, ainda que minimamente, por meio de escritos, depoimentos, fotos, vídeos etc. que uma determinada loja maçônica maquina contra a Igreja.

Seja qual for o caminho interpretativo escolhido, a constatação de que determinada maçonaria não maquina contra a Igreja tem apenas o condão de evitar a aplicação da pena canônica. Remanesce a grave obrigação moral para o católico, ainda que não seja sua conduta punível, de cessar sua participação em tal associação, pois a simples participação já constitui pecado grave, em razão de que a maçonaria adere a um sistema de opiniões que se choca frontalmente com a Revelação cristã (pressupondo-se aqui que o indivíduo saiba que a Igreja condena a participação na maçonaria - obviamente, após o momento em que é chamado a ser réu em um processo penal canônico por este motivo, cessa sua boa fé quanto a este ponto, pois não estaria a ser processado por algo que não fosse pecado grave).

Por sua vez, quanto à escolha da pena a ser aplicada, o novo Código fala apenas em "pena justa". Contudo, seguindo a orientação geral do novo Código, que reserva a pena de excomunhão aplicada de forma automática apenas para os delitos mais graves (cân. 1318), não parece, em uma interpretação teleológica do cân. 1374, que a excomunhão deva ser aplicada, mas sim penas mais brandas, salvo em situações excepcionalmente graves.

Ademais, a segunda parte do cânone 1374 deixa claro que, quem promove ou dirige a associação maçônica que maquina contra a Igreja é punido com interdito, pena mais branda que a excomunhão. Ora, se o dirigente é apenas punido com interdito, por que o simples maçom seria punido mais rigorosamente? Portanto, ainda que fosse punido o maçom pelo simples fato de sê-lo, não o seria com excomunhão, salvo em casos gravíssimos, em que provavelmente a excomunhão se daria por outros delitos (como a negação pertinaz, de forma pública, de verdade de fé).

Mesmo em situações graves de oposição à Igreja por uma determinada loja maçônica, seria de se perguntar se o delito de participação na maçonaria que maquina contra a Igreja não seria absorvido por um delito mais grave de heresia, cuja pena é de excomunhão latae sententiae (automática). Nestes casos, o maçom que se opõe ferozmente à Igreja não seria excomungado com base no cân. 1374, mas sim pelo delito de apostasia, heresia ou cisma previsto no cân. 1364, § 1 do Código de Direito Canônico de 1983.

Indo além, há um princípio geral de direito penal canônico de que, entre duas interpretações da lei penal, deve-se seguir aquela que conduz à "lex mitior", ou seja, a interpretação mais branda e benéfica ao acusado, em razão do caráter não meramente retributivo, mas também medicinal e pedagógico de tais penas no ordenamento canônico (há também a finalidade de que o apenado, percebendo, através da punição, a gravidade de sua conduta, emende-se). Além disso, a lei mais favorável sempre se aplica ao réu, se esta for alterada após cometido o delito (cân. 1313, §1 e §2).

Por fim, recorde-se que a aplicação da pena canônica deve ser precedida de uma tentativa de correção fraterna, como estatui o cân. 1341 "O Ordinário somente cuide de promover o processo judicial ou administrativo para aplicar ou declarar penas, quando tiver verificado que nem a correção fraterna nem a repreensão nem outros meios da solicitude pastoral são suficientes para reparar o escândalo, restabelecer a justiça, e emendar o réu."

Para resumir as conclusões desta análise:
a) a participação como membro na maçonaria de qualquer espécie é sempre moralmente condenável para um católico, constituindo objetivamente pecado grave e que impede a aproximação da comunhão eucarística (ressalvados casos de ignorância ou desconhecimento por parte do fiel);
b) a participação como membro na maçonaria somente constituirá delito canônico punível com uma pena canônica justa caso a maçonaria concreta de que seja membro o réu maquine contra a Igreja;
c) o réu poderá provar, no processo para aplicação da pena, que a maçonaria de que participa não maquina contra a Igreja;
d) em caso de aplicação de pena em razão de que a maçonaria em questão maquina contra a Igreja, a pena não se aplicará de modo automático (latae sententiae), mas necessitará de declaração prévia da autoridade eclesiástica competente (ferendae sententiae);
e) contraria a lógica do atual ordenamento canônico e o próprio cân. 1.318 a aplicação da grave pena de excomunhão no caso, salvo se cometido delito mais grave, como o de heresia, situação em que a excomunhão será aplicada automaticamente em razão da heresia, mas não pela simples participação na maçonaria.

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