sábado, 4 de janeiro de 2014

Início do Blog

Meus caros, como parte de um projeto de dar aos católicos maior conhecimento acerca do direito canônico - projeto este que, se Deus quiser, terá também outras iniciativas que em breve divulgarei -, inicio este blog.


O que me moveu a fazê-lo? A constatação de uma triste realidade: o voluntarismo jurídico iniciado por Duns Scot  e Gulherme de Ockham, que fundou o positivismo jurídico no mundo secular, parece ter tomado de assalto - se não na teoria, ao menos na prática - a aplicação quotidiana do direito canônico. Devido em muitos casos à má formação dos clérigos, em outros à má vontade pura e simples, o direito da Igreja é aplicado sem critérios seguros e de acordo com a vontade do clérigo que o aplica - o pároco, no âmbito de sua paróquia, não raro se arvora em legislador, criando "normas" a seu bel prazer; alguns bispos, então, ignoram solenemente as normas emanadas do legislador supremo (o Sumo Pontífice), no melhor estilo: "O Papa manda em Roma, aqui mando eu" (segundo fonte fidedigna, palavras que teriam sido pronunciadas por um bispo).


A caminhar assim, a ciência do direito canônico deixa de ser governada pela reta razão. Nesta visão, a ordem emanada da autoridade eclesiástica deveria ser obedecida simplesmente por este fato: por ser ordem de uma autoridade, independentemente de sua bondade, racionalidade ou sua destinação à salvação das almas. Isto tem outro nome: tirania. Somente numa visão de mundo voluntarista (em que, como Ockham dizia, Deus poderia ordenar como primeiro mandamento NÃO amar a Deus sobre todas as coisas) a ordem deve ser obedecida de forma autômata, sem nenhum juízo sobre sua racionalidade ou correção. Obedeço por ser uma ordem emanada de uma autoridade constituída, independentemente do fato de esta autoridade estar legitimamente exercendo suas funções.


Aqui não estou a falar de várias opções possíveis e aceitáveis a serem escolhidas pela autoridade eclesiástica (e.g., a de celebrar ou não uma memória facultativa na Missa do dia), mas de situações em que a autoridade ordena algo contrário à lei divina, à lei moral ou contrário ao menos à lei eclesiástica emanada por um superior. Nestes casos, a autoridade é exercida de forma ilegítima, e o direito canônico apresenta mecanismos para coibir estes abusos. É por isso que toda autoridade eclesiástica que segue esta perspectiva voluntarista tem verdadeira urticária ao ouvir falar de direito canônico - este tem regras que irão coarctar sua pretensão egocêntrica de ser o umbigo do Universo.


Para minha profunda tristeza, tenho visto com frequência bons católicos, homens e mulheres de fé (aí incluo leigos, mas também sacerdotes e religiosos), sofrerem as consequências de comportamentos abusivos (alguns degradantes) por parte de autoridades eclesiásticas. A ideia do blog é esta: fazer com que os católicos conheçam as normas que regem as relações entre os fiéis na Igreja, deixando claro quais são os direitos e deveres de cada fiel de acordo com seu estado de vida. E que saibam quais são os caminhos que tem de percorrer para dar a conhecer os abusos às autoridades eclesiásticas competentes. Em tempos de escândalos de pedofilia na Igreja, para citar apenas um gravíssimo abuso de um clérigo contra um fiel menor de idade ("Mas, se alguém fizer cair em pecado um destes pequenos que creem em mim, melhor fora que lhe atassem ao pescoço a mó de um moinho e o lançassem no fundo do mar"), infelizmente não podemos manter aquela ingenuidade de que todos os clérigos são pessoas bem intencionadas e que buscam a santidade. Tudo bem, desvios são próprios da natureza caída e todos os cometemos (clérigos ou não). Mas, para restabelecer a justiça no seio das relações entre os fiéis, quando estes desvios afetam, no foro externo, injustamente a vida de um fiel, este tem o direito de obter a reparação devida, pois como já diziam os romanos, em definição repetida pelo Aquinate, "ius suum cuique tribuere" (o direito é dar o seu de cada um).


A ideia de que os católicos conheçam melhor o direito canônico e possam se defender de abusos não é nova nem é minha. Dou apenas como um exemplo a "Saint Joseph's Foundation", dos EUA, fundada em 1984 como uma associação privada de fiéis católicos que tem por objetivo auxiliar católicos ou grupos católicos a entender o direito canônico e assessorá-los em situações concretas por eles vividas. Ou, na definição dada pela própria Fundação: "uma instituição que pode auxiliar católicos fiéis a proteger seu direito de abraçar e manter a verdade em relação a Deus e a Sua Igreja." Meu objetivo é bem mais modesto, mas a concepção de fundo é a mesma - as pessoas não são meros joguetes nas mãos de quem quer que seja, mas sim filhos e filhas amados de Deus.


Apenas uma advertência final: não discutirei casos concretos. Portanto, comentários como "o bispo José, da Diocese Tal ou Qual, fez isto ou aquilo" não serão exibidos. Não fui constituído juiz civil ou eclesiástico da vida de ninguém, de modo que só apresentarei opiniões sobre situações em abstrato. Caso necessite falar comigo sobre um caso concreto, mande-me um e-mail ou uma mensagem no Facebook, a qual será respondida em privado. Uma das piores pragas que vejo hoje na Igreja é a destruição de reputações e da boa fama por fofocas e mentiras (geralmente, as táticas de maledicência orquestradas por autoridades eclesiásticas são muito mais nocivas). Este blog não pretende contribuir para isto, uma vez que, sem ouvir a outra parte, às vezes fica difícil tratar com justiça a situação. Portanto, trataremos aqui de hipóteses abstratas (ou, se casos que realmente aconteceram, com referências a lugares e nomes fictícios).



Até o próximo post!

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