Embora vivamos em um país de maioria
esmagadora de católicos pertencentes à Igreja ritual autônoma latina (por vezes
referida como Igreja de rito latino ou simplesmente Igreja Latina), o Brasil também foi
destino de diversos povos imigrantes.
Alguns destes povos, embora católicos, não
pertenciam à Igreja ritual autônoma latina, mas sim a outras Igrejas católicas
que, embora em plena comunhão com o Romano Pontífice, possuem tradições espirituais,
litúrgicas, culturais e disciplinares distintas, constituindo Igrejas rituais
autônomas orientais.
É o caso, por exemplo, de imigrantes
libaneses da Igreja Católica Maronita (tradição siríaca ocidental - rito
maronita), dos ucranianos da Igreja Católica Ucraniana (tradição bizantina-eslava),
de sírios e libaneses da Igreja Católica Greco-Melquita (tradição bizantina-árabe),
de imigrantes armênios (rito armênio), de imigrantes russos da Igreja Católica
Russa (tradição bizantina-eslava) e de sírios e libaneses da Igreja Católica
Siríaca (tradição siríaca ocidental - rito siríaco).
Além destas comunidades presentes no
Brasil, existem também Igrejas não presentes no Brasil que celebram de acordo
com duas outras tradições litúrgicas: a tradição alexandrina (o rito copta, de católicos do Egito, e o rito etíope, de católicos da Etiópia) e a tradição
siríaca oriental (os católicos do rito caldeu e os católicos do rito
siro-malabar).
Entre ritos que pertencem à mesma tradição,
as variações em geral são diminutas, razão pela qual é comum encontrar-se a
afirmação de que existem 6 ritos na Igreja Católica, o que não é equivocado:
apenas classifica-os de modo mais genérico. São eles: 1) Rito Romano; 2) Rito
Alexandrino ou Copta; 3) Rito Bizantino; 4) Rito Siríaco Ocidental; 5) Rito
Siríaco Oriental; 6) Rito Armênio.
Agora, quando católicos destas diferentes
tradições convivem no mesmo espaço, é comum que frequentem as igrejas uns dos
outros, afinal, estão todos em comunhão entre si e com o Romano Pontífice. Especialmente
em países do Ocidente, é extremamente comum que católicos orientais passem a
frequentar e receber os sacramentos na Igreja Latina, seja por comodidade (há
maior número de paróquias latinas), seja por ausência de um sacerdote de sua
própria tradição no local em que vivem. Quando não há sacerdotes de sua própria
Igreja ritual em localidade próxima, é comum inclusive que os católicos
orientais recebam todos os sacramentos das mãos de sacerdotes latinos.
Diante deste panorama, começam a surgir dúvidas:
a que Igreja ritual autônoma pertencem aqueles que frequentam constantemente,
às vezes por anos a fio, outra Igreja que não a de sua origem? E quando se
casam pessoas de Igrejas rituais distintas, a qual Igreja pertencerão? E os
filhos de católicos de Igrejas rituais distintas?
Vamos responder a estas perguntas em posts sucessivos, tomando por base o
Código de Direito Canônico de 1983 (aplicável, em regra, apenas aos fiéis
latinos), mas desde já afirmando que as normas jurídicas que tratam do tema no
Código de Cânones das Igrejas Orientais, de 1990 (aplicável aos fiéis
orientais) em pouca coisa divergem das normas latinas.
1ª.
PERGUNTA – QUAL É A FORMA ORIGINÁRIA DE SE INGRESSAR EM UMA DETERMINADA IGREJA
RITUAL?
Todo católico pertence, necessariamente, a
uma única Igreja ritual autônoma (o termo técnico é “ser adscrito em uma Igreja
ritual autônoma”). Pode até transferir-se de uma para outra, mas não há nenhum
momento em que não pertença a nenhuma delas. Deverá, em todos os momentos, ser
parte de uma única Igreja ritual. Se se transferiu para outra, é pelo fato de
que, no exato momento em que deixou sua Igreja ritual de origem, passou
imediatamente a outra Igreja ritual.
Vejamos o que diz o Cân. 111, § 1 do CIC
1983:
“Cân. 111 — § 1 .
Pela recepção do batismo fica adscrito à Igreja latina o filho de pais que a
ela pertençam ou, se um deles a esta não pertencer, ambos, de comum acordo,
tiverem optado por que a prole fosse batizada na Igreja latina; na falta de acordo,
fica adscrito à Igreja ritual a que o pai pertence.”
Assim, pela recepção do batismo, o fiel incorpora-se (adscreve-se) de forma
originária a uma Igreja ritual autônoma. No caso, o cân. 111, § 1 fala em
Igreja Latina pois o Código de 1983 aplica-se apenas aos latinos. Para os fins
de nossa explicação, leia-se “Igreja Latina” como “Igreja ritual autônoma”,
pois a explicação para a Igreja Latina vale para as demais Igrejas orientais, mutatis mutandis.
Esta afirmação poderia deixar a falsa
impressão de que o fiel se incorporaria à Igreja ritual em cujo rito foi
batizado. Seguindo-se esta lógica, se uma criança filha de pais católicos orientais
é batizada por um sacerdote latino, a criança torna-se, ipso facto, latina, pelo simples fato de ter sido batizada
usando-se o rito latino. Mas não é isto que determina o Código.
O Código afirma, como visto acima, que fica
adscrito a uma Igreja ritual autônoma, pelo batismo, o filho de pais que a ela
pertençam. Portanto, o critério para determinar a adscrição não é o rito
utilizado, mas sim a filiação. Se
ambos os pais pertencem a mesma Igreja ritual, seus filhos também pertencerão
àquela Igreja ritual, ainda que venham a ser batizados em rito diverso.
Exemplo: pai e mãe, ambos egípcios, são fiéis da Igreja Católica Copta.
Chegam ao Brasil como imigrantes e aqui fixam residência. Seus filhos nascem no
Brasil. Como não há clero católico copta no país, eles irão batizar seus filhos
na paróquia católica latina de onde residem. O sacerdote latino, ao ministrar o
batismo, o fará no rito latino. Como o critério para a adscrição à Igreja
ritual não é o rito utilizado, mas sim a Igreja ritual a que os pais pertencem,
os filhos deste casal, ainda que batizados no rito latino, serão todos
católicos coptas.
Mas o cân. 111, § 1 traz uma outra regra: o que fazer quando os
pais pertencem a Igrejas rituais diferentes (um é oriental, o outro é latino)?
Neste caso, ambos podem, de comum acordo,
optar por que a prole seja batizada
na Igreja latina (ou, ao revés, que a prole seja batizada na Igreja oriental). Contudo,
na falta de acordo, prevalece o
critério da filiação na linha paterna:
na falta de acordo, o filho será adscrito
à Igreja ritual a que o pai (homem) pertence.
Como o Código não traz restrição, é
possível que filhos do mesmo casamento interritual (ou seja, entre católicos de
Igrejas rituais diferentes) pertençam a Igrejas rituais diferentes, pois os
pais podem optar tanto pela Igreja do pai quanto pela da mãe no batismo de cada
filho. Ou, também, pode ter havido acordo em relação a algum filho, mas faltar
este acordo em relação a outro, caso em que, na ausência de acordo, segue-se a
Igreja ritual do pai.
Em alguns locais, há inclusive a tradição
de que, quando nascem filhos homens, pai e mãe optam pelo rito do pai; quando
nascem mulheres, optam pelo rito da mãe. Como dito, a questão é deixada para livre
escolha dos pais.
Exemplo: um homem católico maronita vindo do Líbano vem residir no Brasil.
Aqui se casa com uma brasileira da Igreja Latina. Ambos têm filhos. Havendo
acordo, poderão livremente escolher se os filhos serão batizados católicos maronitas
ou católicos latinos (ou mesmo escolher que alguns sejam maronitas, e outros
latinos). Não havendo acordo, o filho será católico maronita, pois na ausência
de acordo segue-se sempre a Igreja ritual do homem (pai).
A exceção são aqueles que se batizam a
partir dos 14 anos de idade, situação em que o Código prevê que o batizando
poderá escolher pessoalmente a que Igreja ritual ingressa por ocasião de seu
batismo. Neste caso, a Igreja ritual a que pertencem os pais não é relevante,
mas sim a escolha pessoal do batizando:
“Cân. 111, § 2. O
batizando que tiver completado catorze anos de idade pode livremente escolher
batizar-se na Igreja latina ou em outra Igreja ritual autónoma (sui iuris); neste
caso ele fica a pertencer à Igreja que escolheu.”
Contudo, o cân. 588 do Código de Cânones das Igrejas Orientais (1990), embora resguarde a liberdade do catecúmeno a partir dos 14 anos de idade de adscrever-se a qualquer Igreja ritual de sua escolha, recomenda que "se evite de aconselhar ao catecúmeno qualquer coisa que possa obstaculizar sua adscrição à uma Igreja que seja mais afim à sua cultura."
Exemplo: o catecúmeno maior de 14 anos é libanês e reside no Líbano, com vários antepassados e parentes católicos maronitas. Deve-se evitar aconselhá-lo a ingressar na Igreja Latina, pois é a Igreja Maronita a mais próxima de sua cultura e relações familiares. Contudo, se ele estiver resoluto a incorporar-se, pelo batismo, à Igreja Latina, é direito seu fazê-lo, não podendo ser impedido.
Então, o batismo é a forma originária de se
ingressar em uma Igreja ritual, seguindo as regras que aqui foram expostas.
Em próximos posts, trataremos das regras de ingresso derivado em uma Igreja ritual autônoma (ou seja, transferência de uma Igreja
ritual para outra após a recepção do batismo).
Excelente exposição. Nos EUA, tive o prazer de ir à missa ucraniana em Hunter-NY e ir à missa rutena em Orlando-FL. São ritos quase idênticos. A bem da verdade, como não entendo nada de eslavônico, não notei diferença. A Igreja Católica Bizantina Rutena seria mais uma igreja da tradição bizantina-eslava, mas tem uma situação jurídica ainda indefinida. Na Wikipedia (que nem sempre é confiável), encontrei isto:
ResponderExcluir"Actualmente, a Igreja Greco-Católica Rutena é composta pela arquieparquia metropolitana sui juris de Pittsburgh (EUA) - que supervisiona e tem como sufragâneas as eparquias de Parma (1969), Passaic (1963) e Van Nuys (1981) -, pela Eparquia de Mukachevo na Ucrânia (fundada em 1771 e imediatamente sujeita à Santa Sé) e pelo Exarcado Apostólico da República Checa (fundada em 1996 e imediatamente sujeito à Santa Sé).
A Igreja Rutena não tem ainda uma estrutura organizacional e hierárquica muito bem definidas, por causa do desejo de alguns dos sacerdotes e fiéis da Eparquia de Mukachevo de fazerem parte da Igreja Greco-Católica Ucraniana. Por isso, o Arcebispo Metropolita de Pittsburgh, juntamente com o seu Concílio de Hierarcas, só tem jurisdição sobre os fiéis dos EUA, enquanto que os católicos rutenos da Ucrânia e da República Checa são governados, respectivamente, por um eparca e um exarca, que são directamente supervisionados pela Santa Sé. Aliás, o próprio Metropolita não é o Chefe da Igreja Rutena, sendo o eparca de Mukachevo o seu verdadeiro Chefe. Mas, este último só tem jurisdição sobre a eparquia de Mukachevo."